A canção, a memória e a identidade
A construção de identidades, como nos mostra Stuart Hall, tem a função de garantir que relação entre o mundo e o
sujeito, ou uma coletividade, seja mais estável, unificada e previsível. Para o
historiador Jacques Le Goff, a
memória é um dos elementos essências no processo de construção das identidades.
Partindo destas duas ideias, pretendo apresentar uma pequena análise da capa do Long Play (LP) This time the World , da
banda inglesa No Remorse (Sem
Remorso), com o objetivo de verificar como elas estão presentes neste documento
e são inteligíveis sem obrigatoriamente ser necessário ouvir as canções.
This time the world ("Desta vez, o mundo", em tradução livre) é
o primeiro LP desta banda Skinhead, lançado
pela gravadora francesa Rebelles Européens,em 1988. Ele foi relançado, em 1992, no
formato Compact Disc, pela mesma
gravadora e em 1995 pelo selo sueco Last
Resort. O título é uma referência ao livro homônimo, escrito na década de
1960, por George Lincoln Rockwell, fundador
do American Nazi Party (Partido
Nazista Americano).
Liderado pelo vocalista e militante nacional socialista, Paul Burnley, este LP foi dedicado a
duas figuras ligadas ao Nacional Socialismo, consideradas heróis: Rudolf Hess, membro do alto comando do
Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NASDAP), homenageado com
a canção We salute you (R. Hess), e Robert Mathews, fundador da The Order, organização supremacista
branca norte americana da década de 1980, homenageado com a canção Hail the Order.
A No Remorse toca um estilo conhecido como Rock
Against Communism (Rock contra o Comunismo), nome criado para designar as
bandas que tocam canções que tratam, entre outros temas,
da defesa da identidade europeia contra o que eles consideram os males da
globalização, como o multiculturalismo.
Desenhada por Nick Crane (um skinhead supremacista racial inglês,
que após algum tempo de ativa militância abandonou o movimento e assumiu sua homossexualidade)
a imagem pretende transmitir a ideia,
como aponta Elizabeth Jelin, de uma
narrativa memorial, criando uma espécie de genealogia europeia comum,
independente da nacionalidade, associando a figura do Viking, ao soldado da Waffen
SS e, finalmente, o Skinhead, em
ordem cronológica, todos sob a bandeira da Cruz Celta, símbolo utilizado pelos
grupos supremacistas raciais brancos para identificar militantes desta causa.
Pretendeu-se com isto transmitir a mensagem de que o homem branco do tempo presente
descende de uma linhagem de guerreiros. A linha de combate do tempo presente é
respaldada pela memória.
Além disto, a imagem enfatiza a qual grupo social este disco é dedicado: jovens eurodescendentes.
A imagem também se relaciona com os nomes das canções expostos nas contra capa do LP, pois identifica
claramente aqueles que são considerados inimigos : são os negros, na canção Niggers,
os judeus, em Six Millions Lies, (canção
que nega a existência do Holocausto), os comunistas, em Smash the Reds e europeus que discordam dos ideiais destes grupos, em
Race traitors.
Canções com Mother England, e This Land is yours, incentivam os jovens
a lutar por sua terra natal e a instituição de uma nova ordem social,
baseada no nacional socialismo.
A imagem de crianças posando para fotografias e portando símbolos, a futura geração de ativistas,
é um expediente muito recorrente na propaganda de grupos políticos, vale
ressaltar, seja qual for a orientação. O objetivo é transmitir a ideia de garantia de que as próximas gerações irão lutar pela mesma causa pela qual a gerações passadas lutaram e a geração atual luta, estabelecendo um círculo de comprometimento e um sentido de estabilidade. This time the World , como aponta Jelin, constrói uma conexão coerente entre o passado e o presente, e creio que vai além, pois pretende fazer o mesmo com relação ao futuro.
Alexandre de Almeida é graduado em Historia e mestre em Antropologia, ambos pela PUCSP. Sua pesquisa tem como foco os grupos juvenis urbanos e seus posicionamentos políticos/partidários. Também realiza pesquisa na área de Arquivologia, com ênfase em documentos audiovisuais e sonoros. Foi radialista na Patrulha FM, em Santo André (SP), especializada no gênero Rock, no final da década de 1990, onde além de apresentar a programação comercial noturna, produziu e apresentou o programa “Expresso da Meia Noite”. Trabalha, há mais de dez anos, com patrimônio histórico arquivístico, atuando em instituições como o Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro de Memória Bunge. Atualmente, coordena a área de Arquivos Sonoros e Audiovisuais do Acervo Presidente FHC e trabalha como professor na rede pública de ensino de São Paulo.
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