sábado, 24 de novembro de 2012

Adriana Varejão: Mares, Vísceras e novas narrativas de nossa História





"Artes Plásticas não é questão de talento. Não é preciso ser um prodígio técnico, como Nelson Freire ou Mozart. É uma linguagem adulta, que depende  do conhecimento. da bagagem cultural, da sensibilidade. Está ligada ao pensamento, à criatividade".

Adriana Varejão à Revista Personalité, N° 2, MARÇO DE 2008, ANO I





Adriana Varejão, Figura de convite, 1997, óleo sobre gesso, obra em exposição no MAM-SP





Está em cartaz até 16 de dezembro no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) a mostra Adriana Varejão: Histórias às margens, um panorama do trabalho da artista carioca que caiu no gosto dos colecionadores de arte contemporânea, além de ser um dos grandes nomes que inserem o Brasil no cenário internacional. Ainda pouco conhecida pelo público brasileiro, Adriana Varejão traz uma plasticidade intensa, articula narrativas pitorescas, que muito têm a ver com nossa gênese cultural. Evoca o passado colonial brasileiro de exploração da terra às custas de suor e sangue dos povos conquistados e o exotismo que transbordava do olhar do colonizador, e que marcaram a imagem identitária do país, lançando mão dos artifícios de crítica, ironia e pastiche em muitas de suas obras.

A exposição,  de curadoria de Adriano Pedrosa, traz 39 obras, muitas de acervos de instituições de renome internacional, como Guggenheim de Nova Iorque, Tate Modern, Londres, e da Fundación "La Caixa", Barcelona, e ainda mais três obras realizadas especialmente para a exibição em São Paulo, que seguiram para o MAM do Rio de Janeiro.

 Adriana VarejãoMapa de Lopo Homem II , 2004 
óleo sobre madeira e linha de sutura, obra em exposição no MAM-SP




Adriana VarejãoPaisagens , 1995 
óleo sobre madeira, obra em exposição no MAM-SP


Adriana Varejão, Azulejaria em Carne Viva series «Lingua com Padrão Sinuoso» 1998óleo sobre tela, poliuretano sobre madeira e alumínio, obra em exibição no MAM-SP



Adriana Varejão nasceu no Rio de Janeiro em 1964, o fatídico ano do Golpe. Iniciou sua trajetória de forma descompromissada, frequentando os cursos livres na Escola de Artes Visuais do Parque Lage ( EAV- Parque Lage), no Rio de Janeiro, entre 1981 e 1985. Como o passar do tempo seu fazer artístico foi ganhando corpo, densidade, e elementos de sua busca cultural, com referências das viagens que fazia, dos livros que lia, das lembranças das páginas da coleção de artes visuais Gênios da Pintura que a mãe comprava nas bancas na sua meninice. 

Em 1988, faz sua primeira exposição individual na Galeria Thomas Cohn, no Rio de Janeiro e na mesma época participou de uma coletiva no Stedelijk Museum,Amsterdã. Participou de importantes Bienais como Veneza e São Paulo e sua obra já foi mostrada em grandes instituições internacionais como MOMA (NY), Fundação Cartier em Paris,Centro Cultural de Belém em Lisboa e Hara Museum em Tóquio. Em 2008, foi inaugurado um pavilhão com obras suas no Centro de Arte Contemporânea Inhotim em Minas Gerais. O seu trabalho está presente em acervos de importantes instituições, entre elas Tate Modern em Londres, Fundação Cartier (Paris), Stedelijk Museum (Amsterdã), Guggenheim (Nova Iorque) e Hara Museum (Tóquio).


Sua pintura começa ser investida de materialidade, de tridimensionalidade. Elabora formas tornando-as corpos, instalações e transformando espaços. Em boa parte de sua sua produção, evoca repertório iconográfico associado à história do período colonial brasileiro, como azulejaria portuguesa, paisagens e mapas de registros do  Brasil dos Viajantes. A artista evoca também o barroco. A sensibilidade barroca lhe inquieta, associando pintura, escultura e arquitetura em seus trabalhos. Não  casualmente que o Barroco era um dos elementos artísticos e culturais ressaltados pelo grupo dos modernistas, liderado por Rodrigo  Mello Franco de Andrade, que formaram o antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, hoje chamado de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Isso fica no painel que Cândido Portinari confeccionou para o Palácio Capanema, no Centro do Rio de Janeiro. 




Cândido Portinari, Painel de  azulejos no Palácio Gustavo Capanema, Antigo Ministério da Educação e Cultura, no Centro do Rio de Janeiro. A obra evoca a herança cultural portuguesa, tanto nos temas maritmos quanto pela importância dada pela arte decorativa de azulejaria no Barroco




Adriana Varejão, Proposta para uma catequese azulejaria de cozinha, 1995, óleo sobre painel de gesso, obra em exposição no MAM-SP





Adriana Varejão, Varal Rack, 1993, óleo sobre Tela,obra em exposição no MAM-SP



Adriana Varejão, Reflexo de Sonhos no Sonho de Outro espelho. (Estudos sobre o Tiradentes de Pedro Américo), 1998, óleo sobre tela, obra em exibição no MAM-SP






 Adriana VarejãoAzulejaria Verde em Carne Viva , 2000 
óleo sobre tela e poliuretano em suporte de alumínio e madeira, obra em exposição no MAM-SP



Em obras que se situam entre a pintura e o relevo, emprega freqüentemente cortes e suturas em telas e outros suportes que permitem entrever materiais internos que imitam o aspecto de sangue e vísceras. 


No fim da década de 1980, Adriana Varejão produz telas com espessas camadas de tinta, tendo como parâmetro as igrejas barrocas brasileiras e sua azulejaria, como em Altar I, 1987. 

Paulo Herkenhoff comenta sobre a referência barroca que Adriana traz para enfatizar a circulação cultural por intermédio da presença do conquistador português, conquistador de terras e mares distantes: 

"Adriana Varejão se detém em questões como a patologia do Barroco, a presença de um longo processo de influência da China na cultura brasileira, e os traumas do processo de expansão colonial e dos encontros consequentes aos descobrimentos, como tendência a uma visão unificante do mundo". 

Herkenhoff prossegue:

"O que era esquecimento e opacidade na história se torna visível. A cartografia agora é violência. O processo de presentificação do passado é uma nova transparência. Esse é o seu nível sutil de politização da arte, distante da vassalagem ideológica. Cada tela é uma produção de evidências, no agenciamento da história (...) A obra de Varejão trata da interação de planos de representação: a história da arte serve para rever criticamente a pretensa totalidade da história que molda e é moldada pela arte. (...) História da arte, história do conhecimento, história das trocas culturais e história do corpo - tudo se contagia inesperadamente". 


Posteriormente, passa a apropriar-se de imagens da história do Brasil, retomando representações etnográficas de indígenas e negros, como, por exemplo, as ilustrações do livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean-Baptiste Debret (1768 - 1848), para comentar o processo de miscigenação no país e do processo de colonização, uma história de violência, barbárie, exclusões, crueldade e sofrimento que deixaram marcas profundas na elaboração da cultura brasileira .

Segundo Isabel Diegues: "Nos Charques, o azulejo vulgar dos botequins substitui aqueles carregados de História - das navegações, da colonização e da arte, e o mundano faz sobrepor o particular ao coletivo. Nos botequins, as navegações são as dos homens an^nimos, e se dão sobre pisos sujos; são trocas entre indivíduos, não entre nações".



Adriana Varejão, Altar I, 1987, acrílica s/ tela, Col. Gilberto Chateaubriand



Imagem retirada da obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret. Tomo I. Imagem proveniente de: Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa. A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo.


Em outras obras, utiliza cacos de louça e pratos da Companhia das Índias, que são moldados e pintados pela artista, como em Linha do Equinócio II, 1997, e Carne à moda de Frans Post, 1996.


 Adriana Varejão faz também incisões e suturas em suas telas, como ocorre em Filho Bastardo II, 1997 ou em Parede com Incisões a la Fontana, 2000, nas quais, por meio dos cortes, deixa entrever uma matéria interna, que tem a aparência de carne.  A artista também discute as relações paradoxais entre sensualidade e dor, violência e exuberância.

 Também reproduz em seus quadros fragmentos anatômicos, fazendo referências a esquartejamentos e canibalismo, em obras de grande densidade simbólica.



Adriana Varejão, Carne à moda de Franz Post, 1996, gesso, tinta óleo e porcelana, obra em exposição no MAM-SP



Adriana Varejão, O Filho Bastardo I, 1992, óleo sobre madeira



Adriana Varejão, Filho Bastardo II, 1997óleo sobre madeira



Detalhes de pinturas de Frans Post representam os tipos exóticos dos trópicos, século XVII



Reprodução


Albert Eckhout, Índia Tapuia, 1641, óleo sobre tela. A imagem da mulher que traz um pedaço de perna umana no cesto representada pelo pintor alude aos hábitos antropofágicos de algumas tripos nativas do Brasil colonial que tanto apavorava os viajantes


Sobre a obra de Adriana Varejão, o Crítico Paulo  Herkenhoff tece seus comentários: 

Sua obra é uma operação iconológica com imagens extraídas da história da arte (...), passando à condição de pintura, seu filtro e denominador. Cada obra é uma consolidação de imagens de origens díspares na teatralização da história".






Adriana Varejão, Prato com mariscos, 2011, óleo sobre gesso, obra em exposição no MAM-SP. Esta obra é interessante pois traz vários elementos da iconografia artística oriental em miniatura nas conchas, vale a pena observar mais atentamente

Detalhe: 






Referência para o polvo de dentro da concha na obra de Adriana Varejão é esta gravura, de 1814, do gravador japoneês da Era Edo, Hokusai


A voz de Adriana Varejão eleva-se alto e forte; como o estrondo de um trovão que sacode o mundo com o fim de reivindicar a existência das diferenças e conquistar um lugar, não no centro, mas nas extremidades, onde a subjetividade é móvel e capaz de se libertar de todas as convenções sociais.



In Ars Veritas


*.*.*





Bibliografia:

Adriana Varejão. Brasília: CCBB, 2001. catálago

Adriana Varejão: entre carnes e mares. Rio de Janeiro: Cobogó, 2009.

Panorama da arte brasielira: desarrumando - Dezenove arranjos. São Paulo: MAM, 2003.


Adriana Varejão: secos e molhados. Madri: Galeria Soledad Lorenzo, 2002.

Adriana Varejão: trabalhos e referências - 1992-1999. São Paulo: Galeria Camargo Vilaça, 1999.

XXIV Bienal de São Paulo. Arte Contemporânea brasileira: em e/entre outro/s. São Paulo: Fundação Bienal, 1998.

Adriana Varejão, Pintura/Sutura, Painting/Suturing. São Paulo: Galeria Fortes Vilaça, 1996.

História de uma catequese: Adriana Varejão. São Paulo: Thomas Cohn Arte Contemporânea, 1993.



Para saber mais: 

http://www.youtube.com/watch?v=svJ3whzVqTo

http://www.adrianavarejao.net/

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=941

http://dasartesplasticas.blogspot.com.br/2008/03/adriana-varejo-rio-de-janeiro-brasil.html

http://www.revista.art.br/site-numero-10/trabalhos/28.htm







Mariana Zenaro é graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André e bacharel em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Tem Pós-Graduação, MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, pela Fundação Getúlio Vargas. Frequentou os cursos livres de História da Arte na Escola do Museu de Arte de São Paulo (MASP) por dois anos e meio. Trabalhou em Museus, Arquivos e Instituições Culturais. Foi voluntária no Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dá cursos e palestras sobre história da arte em fundações, centros culturais. 


0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.