BRENDA FRAZER (BONNIE BREMSER) E SUAS MEMÓRIAS MEXICANAS: CORAJOSAS DA ESTRADA II.
Brenda Frazer era muito jovem quando conheceu e se encantou com o
poeta integrante do círculo Beat Ray Bremser. Ela também era, como outras jovens irrequietas
e reflexivas, alguém que não se espelhava no modelo de mulher de classe média
que vinha se impondo para sua geração, promovido por pujantes meios de
comunicação de massas e dentro de famílias que povoavam um dos momentos mais
conservadores da história norte-americana.
Ela procurava algo a mais: a estrada, a arte, a criatividade, a
espontaneidade, a aventura.
O que fazer com seu desejo de viver sem seguir formatos
pre-estabelecidos? Sem se submeter aos imperativos culturais de uma sociedade
que definia papéis rígidos, prescrevia vidas domesticadas e estigmatizava as “diferenças”? Como companheira de Ray Bremser, homem uns
quantos anos mais velho do que ela e que ela, num momento posterior da sua
vida, identificou como “feio mais muito carismático” (cf. Poynton*), ela procurava se
inserir numa cultura de rebeldia que de alguma forma respondia a sentimentos
seus de não pertencer ao medíocre mundo da década do macarthismo. Mas o quê
essa cultura alternativa oferecia concretamente à mulheres como ela não estava
muito claro, como ela reconhece, anos mais tarde, falando sobre a dificuldade
de se desvencilhar do mando “dos maridos”, criar algo próprio, deixar
desabrochar um espírito livre (c.f. Knight,p. 269)
Sem ter outra bússola para lhe guiar, entregou-se à
experiência da vida marginal, acompanhando o marido para o México num momento
turbulento em que pairava sobre ele alguns problemas com a justiça norte- americana
(por uma história de furto e posse de drogas). Lá, eles viviam como podiam, o
que em grande parte significava para ela, prostituir-se para que os três – ela, Ray e a
pequena Rachel – pudessem sobreviver.
Como gringa no México, se vê simultaneamente vulnerável
(economicamente, em termos de status migratório, pessoa desenraizada e que
vende sexo) mas com um certo “capital adicional” que suas amigas mexicanas da
vida não tinham, e que ela aprende a usar..
Se encanta pelo México suas praias, sua cultura pré-hispânica e mestiça,
e mesmo sua forma particular de construir seus sub-mundos. E isto, a meu ver, a une ainda mais a um dos
mais interessantes legados do Beat: a
busca do Outro, muito valorizado como aquilo que pode nos ensinar, ou representar uma alternativa ao American way of life. Nisso há uma dimensão
experiencial (se pode viver de outra maneira?), mas também outra, epistemológica, como se a experiência do Outro pudesse
(de fato, pode) “abrir as janelas da percepção” – apropriando-se aqui da frase
que o controverso guru dos hippies dos anos 60 Timothy O’ Leary usou para
justificar o uso das drogas.
Bonnie e Ray viveram no México durante cinco anos. O
livro Tróia: Memórias Mexicanas (publicado
originalmente em 1969) é um relato sobre esses anos. Muito “Beat” em termos de forma e conteúdo, pode ser
considerado um tipo de contrapartida “feminina” do mais reconhecido texto Beat de todos os
tempos, Pé na Estrada de Kerouac. Nas palavras de Ann Charters, “Instinctively, she followed Jack Kerouac’s ‘
Essentials of Spontaneous Prose’, beginning with the ‘set up’ of memory and
continuing by sketching ‘the undisturbed flow from the mind of personal secret
idea-words, blowing (as per jazz musician) on subject of image” (Charters, no prefácio de Bremser, 2007, p. vi).
Entre outras coisas que Bremser faz na narrativa que tornam seu livro um trabalho fascinante, me impressiona como ela evoca sua identificação com o México e seu povo e sua “des-identificação” com a política e cultura do seu país de origem. Fica evidente a rebeldia e revolta que ela sentia perante diversas formas de autoridade masculina, assim como a armadilha que ameaçava engoli-la, por continuar presa a elas.
Entre outras coisas que Bremser faz na narrativa que tornam seu livro um trabalho fascinante, me impressiona como ela evoca sua identificação com o México e seu povo e sua “des-identificação” com a política e cultura do seu país de origem. Fica evidente a rebeldia e revolta que ela sentia perante diversas formas de autoridade masculina, assim como a armadilha que ameaçava engoli-la, por continuar presa a elas.
Para quem quiser sentir um pouco da tessitura, o ritmo, o estilo da prosa de Bremser, compartilho aqui minha versão em português de um pequeno fragmento do texto, dificilmente escolhido dentre muitos
outros. Relata o momento da chegada de Bonnie, Ray e Rachel a Veracruz, México. (Creio que ainda não consegui fazer jus ao texto dela, mas vamos lá....) E na sequência, ofereço um pequeno tributo meu a ela, inspirado na minha leitura de suas “memórias mexicanas” –
mexendo, com certeza, com as minhas.
E nós já estamos na dança, esse “Paso Doble” valor paixão que desmonta todos os outros significados da vida e dançamos, dançamos todos, os negros veracruzanos, a mulher na esquina que espreme as roupas que joga numa pilha que flutua por sobre um quadrado de grama gasta, as gelatinas que se anunciam pelas ruas aos gritos, as palmeiras de novo, e todos dançando, dançando o sol se eleva, Veracruz se eleva, algum altar deste litoral ao mas extremo leste, esta manhã mexicana, Veracruz se eleva por sobre os canaviais. Ô Córdoba, a praça dança, o bonde com certeza dança, é a dança do sol e eu caio nela, e conhecendo este o meu coração pelo menos eu danço, obedeço o sacrifício, não me importa mais nada, só danço..
Apostas Altas (para Brenda Frazer)
Há coisas que você faz
uma ou duas vezes
por amor. E é isso.
Outras, talvez, por dinheiro,
ou para que alguém
te atravesse uma ponte que está
minguando, alguma fronteira fraturada.
Os sinos estão tocando
no alto da montanha,
aquele lugar onde os peregrinos
chegavam da maçante romaria,
andando as últimas milhas de quatro.
Vira-latas amarelos latem ao sol da manhã.
Você sabe que ninguém vai acreditar
nessa versão que você conta. E o neném, que
não quer parar com essa puta
choradeira.
Há coisas que você faz
uma ou duas vezes
por amor. E é isso.
Outras, talvez, por dinheiro,
ou para que alguém
te atravesse uma ponte que está
minguando, alguma fronteira fraturada.
Os sinos estão tocando
no alto da montanha,
aquele lugar onde os peregrinos
chegavam da maçante romaria,
andando as últimas milhas de quatro.
Vira-latas amarelos latem ao sol da manhã.
Você sabe que ninguém vai acreditar
nessa versão que você conta. E o neném, que
não quer parar com essa puta
choradeira.
- Miriam Adelman
Referências
bibliográficas.
Bremser, Bonnie.
Troia. Mexican Memoirs. Dalkey Archive Press. 2007.
Knight, Brenda. Women
of the Beat Generation: the Writers, Artists and Muses at the Heart of a Revolution. Conari Press, 1996..
*https://www.pinterest.com/pin/201747258281454163/ Bonnie Bremser, circa 1997. by Jerome Poynton.
*https://www.pinterest.com/pin/201747258281454163/ Bonnie Bremser, circa 1997. by Jerome Poynton.
Miriam Adelman é socióloga, tradutora e poeta. Nascida nos EUA, morou dos 19 aos 29 anos no Méxica. É radicada em Curitiba desde 1991. Professora da UFPR desde 1992, atualmente actúa nos Programas de Pós-graduação de Estudos Literários (PGLETRAS) e Sociologia (PGSOCIO) dessa instituição. Mantém também o blog pessoal,
Juntando Palavras (www.conviteapalavra.blogspot.com)
Imagem: Janaina Ina.
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