Olhares japoneses sobre o Japão...
Posso dizer sem
titubear, que “Fotografar no Japão”
e “Fotografar o Japão” foram as minhas mais importantes
descobertas nestas paragens. Hábito que se tornou um vício, uma necessidade,
que não só me possibilita um prazer instantâneo do ato de fotografar em si, mas também um caminho para tentar compreender o “outro” japonês, não apenas como expectador, flâneur, mas
como participante. Explico.
Desde que comecei a
praticar fotografia de rua por aqui em 2011, além das saídas fotográficas, li muito
sobre o tema e vi muitos trabalhos de fotógrafos consagrados, como também dos
menos conhecidos, comecei dessa forma a criar meu(s) conceito(s) sobre o que
viria a ser fotografar o e no Japão e uma das primeiras questões
que surgiram estava associada à questão do olhar. Quais seriam as
diferenças entre o olhar de um (A)
estrangeiro (“gaijin”) e de um (B)
japonês ao fotografar o Japão? Em um mesmo espaço urbano, para onde se
dirigem os olhares de A a B? Para o mesmo ponto? Diferentes pontos? Por quê?
Haveria um “padrão japonês” para a prática
da fotografia de rua? Por exemplo, geralmente o fotógrafo japonês deve
contemplar seu objeto de forma mais próxima ou distante? Até que ponto o background cultural influenciaria no
direcionamento do olhar e na foto
produzida? Muitas perguntas, não? Claro que as respostas passam pelas técnicas utilizadas e pelos estilos pessoais
(perspectivas únicas?), impossíveis de se evitarem quando analisamos o olhar de um fotógrafo, no entanto minha
busca é pelo que aproxima mais A e B do que pelo que os distancia.
Com certeza o Japão e, principalmente, a
cidade de Tóquio esta entre as “Mecas” da fotografia de rua, como Nova Iorque,
Paris e Istambul entre outras megalópoles. Estas cidades possuem uma tradição urbana-histórica,
configurando-se como destinos perfeitos para o exercício da arte de flanar com
uma câmera na mão. Deixo claro aqui, que em qualquer espaço urbano é possível
produzir ótimas e intrigantes imagens “street” per se, cabe ao sujeito
por trás da câmera, captá-las, produzi-las e revelá-las a nós... MAS as cidades
que citei, possuem encantos, uma “sinfonia urbana” característica, única,
possuem um “peso”, uma “aura” graças a sua diversidade, complexidade e
tradição, tornando-se um verdadeiro
deleite (e desafio) para os fotógrafos de rua mais experientes.
Para tentar encontrar
algumas respostas plausíveis as minhas questões citadas anteriormente, conheci
(via Flickr) e passei a trocar e-mails com alguns fotógrafos de rua japoneses
de Osaka e de Tóquio. Tive a feliz
oportunidade de conhecer alguns deles pessoalmente e sair pelas ruas japonesas
fotografando e aprendendo. Pessoas de diferentes idades, estilos, técnicas que
vão desde o uso de uma clássica Leica M5, passando por Nikons, Canons, Sonys até
fotografar usando iPhone e filtros Hipstamatic.
Enfim, são muitas as possibilidades usadas pelos meus fotógrafos de rua japoneses
favoritos e que irei apresentar aqui de forma breve, pois as imagens cheias de
maestria e criatividade – sem perder a ternura JAMAIS! – falam por si...
Começo apresentando
aquele que tem na fotografia analógica a sua referência e essência: o fotógrafo
Junichi Nishimura san (a.k.a. junku-newclews).
Junku san e seu inseparável combo Leica M5/Summarit formam uma combinação vintage, mas letal em se tratando de street photography. Procurando suas
“vítimas” de forma instintiva, geralmente em Tóquio (em Kyushu também), pelas ruas, em onsens e bares noite a fora, ele tem um
estilo mais clássico, retrô, conciso, cujo enquadramento é um elemento poderoso
de sedução estética quando nos deparamos com o seu belo trabalho. Aliado a isso,
suas fotos contrastadas em branco e preto, na maioria das vezes, retratam um
lado mais humano dos japoneses, revelando detalhes do sisudo cotidiano com um
certo ar de comicidade. Em entrevista ao blog The Leica Camera (link: http://blog.leica-camera.com/photographers/interviews/junku-nishimura-street-shooting-set-to-music/) Junku san afirma que
ele sempre tem em mente quando fotografa três conceitos : “Vida, verdade e
morte”. Na minha opinião, isso realmente faz sentido e é plenamente representado em suas obras em filme fotográfico (Kodak Tri-X). Obra que pode
ser vista e adquirida via internet ou em
suas exibições no Japão.
pilots for desire (2014)
happy (2014)
Para ver mais Junku san: https://www.flickr.com/photos/junku-newcleus/
O próximo fotógrafo de
rua “made in Tokyo” é Hirokazu Toda ou Roka san (a.k.a. Dance with the Strangers). Uma figura que tive o prazer de conhecer
pessoalmente no início de 2013 e sair pelas ruas de Shinjuku para praticar (e aprender) um pouco mais
sobre a arte da fotografia de rua. Roka san usa como instrumento de trabalho
uma câmera digital Ricoh GRD IV, talvez a melhor câmera atualmente para se fotografar
pelas ruas, pequena, rápida e silenciosa como Roka san, ou seja, um par perfeito! Transitando
entre a fotografia colorida e em branco e preto, uso de flash ou não, as
imagens produzidas por ele são facilmente reconhecidas pela frontalidade (close-ups) como são produzidas, muitas
usando a técnica from the hip, lembrando
muito alguns trabalhos do lendário fotógrafo japonês Daido Moriyama.
O rosto, geralmente de (belas) garotas
japonesas se torna o foco principal de suas fotografias, sempre nos dando a
sensação de movimento e MUITA proximidade! Roka san é um fotógrafo de rua que
leva muito à sério sua atividade, sempre na busca de ângulos diferentes e/ou
composições de caráter único, usando uma combinação de cores/movimento/sombras para
retratar com verdadeira maestria a caótica Tóquio .
Just My Imagination (2014)
Tokyo Night (2014)
Para ver mais Roka san: https://www.flickr.com/photos/rokahu/
Sem sair da capital
japonesa, nos deparamos com um fotógrafo que tem como paixão principal a
relação entre os felinos e a cidade, principalmente na área de Taito em Tóquio. Masao Murakoshi san (a.k.a. Kahoumono)
possui um verdadeiro faro canino para encontrar gatos - seres esquivos por
natureza - que em suas fotos se tornam os protagonistas, às vezes parecendo
posar para Masao san (!!). E que belas imagens ele produz! Munido geralmente de
uma Canon EOS M, ele também retrata o cotidiano nipônico pelas intricadas
ruelas suburbanas, apresentando uma visão às vezes nostálgica, às vezes simples
e objetiva O trabalho de Masao san (e de
alguns outros fotógrafos japoneses) é a prova de que a fotografia de rua de forma
alguma não deve se ater apenas aos atores humanos como protagonistas, mas
também a outros elementos a sua volta representantes da cacofonia urbana.
Ueno (2014)
Oji (2014)
Para ver mais Masao san: https://www.flickr.com/photos/kahoumono/
A nossa quarta
personagem, ou melhor, fotógrafa de rua, além de ser a representante feminina
da lista, possui um estilo mais moderno e peculiar. Também assídua frequentadora
das ruas de Tóquio, Kaori Nohara san (a.k.a. kao0915), utiliza em seu trabalho diferentes câmeras como a pequena
Ricoh GRIV, uma DLSR Nikon D3200 e um iPhone 5 (plus filtros do Hipstamatic). Essa versatilidade pode ser notada em
suas incríveis fotografias em branco e preto que, além de demonstrarem a
singularidade dos seus frames, retratam de forma poética e às vezes minimalista
a realidade do cotidiano de Tóquio. O denso contraste, bem trabalhado na
pós-produção, é presença obrigatória em sua produção fotográfica e na minha
opinião sua marca registrada. Outro elemento característico das fotos de Kaori
san são as legendas, geralmente escritas em japonês e com um viés reflexivo,
quase um koan.
Your song (2014)
ただ全てが真実で (2014)
Para ver mais Kao san: https://www.flickr.com/photos/103607064@N05/
Agora saímos das ruas
de Tóquio para flanar pelas ruas da
minha querida Osaka. E para representar a fotografia de rua “made in Osaka”, eu
escolhi dois fotógrafos da velha guarda que conheço pessoalmente e admiro
muito. Conhecedores de cada meandro da “Veneza da Ásia” (i.e. Osaka??!) estes
senhores tem muitas histórias para contar e uma grande quilometragem de rolos de
filme queimados e pixels gravados. Vamos a eles:
Com um olhar aguçado e
muita experiência na arte da Fotografia (não só de rua), Minoru Karamatsu san (a.k.a. Minoru Karamatsu) munido de sua
Sony RX100M2, produz um trabalho de alto nível, tanto estético como metafórico.
Poucos como ele sabem o momento certo de pressionar o shutter e captar uma bela imagem de rua sem pressa. É como se o “momento
decisivo” durasse uma fração de segundo a mais, justamente esperando ser
captado (apenas) por Minoru san. Geralmente usando a clássica distância de
focal de 28mm-35mm para fotografia de rua, Mestre Minoru conhece bem os atalhos
osakenses, não só captando a essência da cidade, mas revelando seu olhar contemporâneo,
ainda que nostálgico, de uma cidade que pode – e deveria - ser recriada a
partir do seu olhar de artesão da fotografia.
1970's
Bear ・・?くん たぶん・・・・ (2014)
Para ver mais Minoru san: https://www.flickr.com/photos/pandx1/
Last
but not least,
apresento um fotógrafo muito espirituoso e pelo qual tenho grandes afinidades
eletivas, principalmente quando se trata do universo feminino nipônico, Seiichi
Maeda san (a.k.a. Higepal). Autor de
uma longa série de fotos entitulada “yumematibito”, ele retrata vários lugares
da cidade de Osaka como um verdadeiro viajante solitário. Ao optar por isso, Maeda san cria uma narrativa única, pungente, que
em um primeiro instante, para alguns parece não fazer sentido, mas que em um
segundo olhar, mais atento ao conjunto da obra, personifica um mosaico ora colorido, ora
branco e preto, geralmente enfatizando elementos humanos como crianças e idosos
em lugares comuns, mas muito representaivos do modus vivendi japonês.
yumematibito 8084 (2014)
yumematibito 0071 (2014)
Para ver mais Maeda san: https://www.flickr.com/photos/93035962@N04/
Sim, a lista é curta e
pessoal. No entanto, com certeza estes fotógrafoscom seus diferentes estilos,
técnicas e principalmente, olhares sobre as duas maiores metrópoles japonesas,
merecem a nossa atenção e respeito. Deixo aqui meu sincero agradecimento a
Junku san, Roka san, Kao san, Masao san, Minoru san e Maeda san pela paciência
e prontidão sempre que solicitei algo e também pela gentileza por autorizarem a
publicação das fotos que ilustram este artigo. Domô Arigatou mina san!
Abaixo um link do
Flickr onde você poderá encontrar e se deleitar com os olhares de outros ótimos
fotógrafos de rua nipônicos, além dos já citados neste breve artigo:
https://www.flickr.com/photos/oldroger/galleries/72157648866018906/
ATENÇÃO! Todas as
fotos deste artigo possuem direitos autorais. Você precisa da permissão dos
proprietários/autores das imagens se deseja cópia-las ou divulgá-las em
quaisquer meios. (WARNING! All photos on this article are copyrighted
and all right are reserved. You need the permission of the copyright owners if
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Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História sua grande paixão é a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).
2 comentários:
Oi Rogério, sua publicação está sensacional! vamos sentir muito a sua falta.
19 de novembro de 2014 às 20:11abç.
Izabel
Izabel, queridona! Muito obrigado pelo elogio, ainda mais vindo de uma profissional da area dos estudos sobre Fotografia!:)))) Abs!!!
20 de novembro de 2014 às 07:20Postar um comentário
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