quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Olhares japoneses sobre o Japão...



Posso dizer sem titubear, que “Fotografar no Japão”  e “Fotografar o Japão” foram as minhas mais importantes descobertas nestas paragens. Hábito que se tornou um vício, uma necessidade, que não só me possibilita um prazer instantâneo do ato de fotografar em si, mas também um caminho para tentar  compreender o “outro” japonês,  não apenas como expectador, flâneur, mas como participante. Explico.
Desde que comecei a praticar fotografia de rua por aqui em 2011, além das saídas fotográficas, li muito sobre o tema e vi muitos trabalhos de fotógrafos consagrados, como também dos menos conhecidos, comecei dessa forma a criar meu(s) conceito(s) sobre o que viria a ser fotografar o e no Japão e uma das primeiras questões que surgiram estava associada à questão do olhar. Quais seriam as diferenças entre o olhar de um (A) estrangeiro (“gaijin”) e de um (B)  japonês ao fotografar o Japão? Em um mesmo espaço urbano, para onde se dirigem os olhares de A a B? Para o mesmo ponto? Diferentes pontos? Por quê? Haveria um “padrão japonês”  para a prática da fotografia de rua? Por exemplo, geralmente o fotógrafo japonês deve contemplar seu objeto de forma mais próxima ou distante? Até que ponto o background cultural influenciaria no direcionamento do olhar e na foto produzida? Muitas perguntas, não? Claro que as respostas passam pelas  técnicas utilizadas e pelos estilos pessoais (perspectivas únicas?), impossíveis de se evitarem quando analisamos o olhar de um fotógrafo, no entanto minha busca é pelo que aproxima mais A e B do que pelo que os distancia.

 Com certeza o Japão e, principalmente, a cidade de Tóquio esta entre as “Mecas” da fotografia de rua, como Nova Iorque, Paris e Istambul entre outras megalópoles. Estas cidades possuem uma tradição urbana-histórica, configurando-se como destinos perfeitos para o exercício da arte de flanar com uma câmera na mão. Deixo claro aqui, que em qualquer espaço urbano é possível produzir ótimas e intrigantes imagens “street” per se, cabe ao sujeito por trás da câmera, captá-las, produzi-las e revelá-las a nós... MAS as cidades que citei, possuem encantos, uma “sinfonia urbana” característica, única, possuem um “peso”, uma “aura” graças a sua diversidade, complexidade e tradição, tornando-se  um verdadeiro deleite (e desafio) para os fotógrafos de rua mais experientes.

Para tentar encontrar algumas respostas plausíveis as minhas questões citadas anteriormente, conheci (via Flickr) e passei a trocar e-mails com alguns fotógrafos de rua japoneses de  Osaka e de Tóquio. Tive a feliz oportunidade de conhecer alguns deles pessoalmente e sair pelas ruas japonesas fotografando e aprendendo. Pessoas de diferentes idades, estilos, técnicas que vão desde o uso de uma clássica Leica M5, passando por Nikons, Canons, Sonys até fotografar usando iPhone e  filtros Hipstamatic. Enfim, são muitas as possibilidades usadas pelos meus fotógrafos de rua japoneses favoritos e que irei apresentar aqui de forma breve, pois as imagens cheias de maestria e criatividade – sem perder a ternura JAMAIS! – falam por si...

Começo apresentando aquele que tem na fotografia analógica a sua referência e essência: o fotógrafo Junichi Nishimura san (a.k.a. junku-newclews). Junku san e seu inseparável combo Leica M5/Summarit formam uma combinação vintage, mas letal em se tratando de street photography. Procurando suas “vítimas” de forma instintiva, geralmente em Tóquio (em Kyushu também), pelas ruas, em onsens e bares noite a fora, ele tem um estilo mais clássico, retrô, conciso, cujo enquadramento é um elemento poderoso de sedução estética quando nos deparamos com o seu belo trabalho. Aliado a isso, suas fotos contrastadas em branco e preto, na maioria das vezes, retratam um lado mais humano dos japoneses, revelando detalhes do sisudo cotidiano com um certo ar de comicidade. Em entrevista ao blog The Leica Camera (link: http://blog.leica-camera.com/photographers/interviews/junku-nishimura-street-shooting-set-to-music/) Junku san afirma que ele sempre tem em mente quando fotografa três conceitos : “Vida, verdade e morte”. Na minha opinião, isso realmente faz sentido e é plenamente representado em suas obras em filme fotográfico (Kodak Tri-X). Obra  que pode ser vista e adquirida via  internet ou em suas exibições no Japão.

pilots for desire (2014)

happy (2014)

Para ver mais Junku san: https://www.flickr.com/photos/junku-newcleus/


O próximo fotógrafo de rua “made in Tokyo” é Hirokazu Toda ou Roka san (a.k.a. Dance with the Strangers). Uma figura que tive o prazer de conhecer pessoalmente no início de 2013 e sair pelas ruas de Shinjuku  para praticar (e aprender) um pouco mais sobre a arte da fotografia de rua. Roka san usa como instrumento de trabalho uma câmera digital Ricoh GRD IV, talvez a melhor câmera atualmente para se fotografar pelas ruas, pequena, rápida e silenciosa como Roka san, ou seja, um par perfeito! Transitando entre a fotografia colorida e em branco e preto, uso de flash ou não, as imagens produzidas por ele são facilmente reconhecidas pela frontalidade (close-ups) como são produzidas, muitas usando a técnica from the hip, lembrando muito alguns trabalhos do lendário fotógrafo japonês Daido Moriyama.
 O rosto, geralmente de (belas) garotas japonesas se torna o foco principal de suas fotografias, sempre nos dando a sensação de movimento e MUITA proximidade! Roka san é um fotógrafo de rua que leva muito à sério sua atividade, sempre na busca de ângulos diferentes e/ou composições de caráter único, usando uma combinação de cores/movimento/sombras para retratar com verdadeira maestria a caótica Tóquio .


Just My Imagination (2014)


Tokyo Night (2014)

Para ver mais Roka san: https://www.flickr.com/photos/rokahu/

Sem sair da capital japonesa, nos deparamos com um fotógrafo que tem como paixão principal a relação entre os felinos e a cidade, principalmente na área de Taito em Tóquio. Masao Murakoshi san (a.k.a. Kahoumono) possui um verdadeiro faro canino para encontrar gatos - seres esquivos por natureza - que em suas fotos se tornam os protagonistas, às vezes parecendo posar para Masao san (!!). E que belas imagens ele produz! Munido geralmente de uma Canon EOS M, ele também retrata o cotidiano nipônico pelas intricadas ruelas suburbanas, apresentando uma visão às vezes nostálgica, às vezes simples e objetiva  O trabalho de Masao san (e de alguns outros fotógrafos  japoneses)  é a prova de que a fotografia de rua de forma alguma não deve se ater apenas aos atores humanos como protagonistas, mas também a outros elementos a sua volta representantes da cacofonia urbana.


Ueno (2014)


Oji (2014)

Para ver mais Masao san: https://www.flickr.com/photos/kahoumono/


A nossa quarta personagem, ou melhor, fotógrafa de rua, além de ser a representante feminina da lista, possui um estilo mais moderno e peculiar. Também assídua frequentadora das ruas de Tóquio, Kaori Nohara san (a.k.a. kao0915), utiliza em seu trabalho diferentes câmeras como a pequena Ricoh GRIV, uma DLSR Nikon D3200 e um iPhone 5 (plus filtros do Hipstamatic). Essa versatilidade pode ser notada em suas incríveis fotografias em branco e preto que, além de demonstrarem a singularidade dos seus frames, retratam de forma poética e às vezes minimalista a realidade do cotidiano de Tóquio. O denso contraste, bem trabalhado na pós-produção, é presença obrigatória em sua produção fotográfica e na minha opinião sua marca registrada. Outro elemento característico das fotos de Kaori san são as legendas, geralmente escritas em japonês e com um viés reflexivo, quase um koan.


 Your song (2014)


ただ全てが真実で (2014)

Para ver mais Kao san: https://www.flickr.com/photos/103607064@N05/

Agora saímos das ruas de Tóquio para flanar pelas ruas da minha querida Osaka. E para representar a fotografia de rua “made in Osaka”, eu escolhi dois fotógrafos da velha guarda que conheço pessoalmente e admiro muito. Conhecedores de cada meandro da “Veneza da Ásia” (i.e. Osaka??!) estes senhores tem muitas histórias para contar e uma grande quilometragem de rolos de filme queimados e pixels gravados. Vamos a eles:

Com um olhar aguçado e muita experiência na arte da Fotografia (não só de rua), Minoru Karamatsu san (a.k.a. Minoru Karamatsu) munido de sua Sony RX100M2, produz um trabalho de alto nível, tanto estético como metafórico. Poucos como ele sabem o momento certo de pressionar o shutter e captar uma bela imagem de rua sem pressa. É como se o “momento decisivo” durasse uma fração de segundo a mais, justamente esperando ser captado (apenas) por Minoru san. Geralmente usando a clássica distância de focal de 28mm-35mm para fotografia de rua, Mestre Minoru conhece bem os atalhos osakenses, não só captando a essência da cidade, mas revelando seu olhar contemporâneo, ainda que nostálgico, de uma cidade que pode – e deveria - ser recriada a partir do seu olhar de artesão da fotografia.


1970's



Bear ・・?くん たぶん・・・・ (2014)

 Para ver mais Minoru san: https://www.flickr.com/photos/pandx1/

Last but not least, apresento um fotógrafo muito espirituoso e pelo qual tenho grandes afinidades eletivas, principalmente quando se trata do universo feminino nipônico, Seiichi Maeda san (a.k.a. Higepal). Autor de uma longa série de fotos entitulada “yumematibito”, ele retrata vários lugares da cidade de Osaka como um verdadeiro viajante solitário. Ao optar por isso, Maeda san cria uma narrativa única, pungente, que em um primeiro instante, para alguns parece não fazer sentido, mas que em um segundo olhar, mais atento ao conjunto da obra,  personifica um mosaico ora colorido, ora branco e preto, geralmente enfatizando elementos humanos como crianças e idosos em lugares comuns, mas muito representaivos do modus vivendi japonês.


yumematibito 8084 (2014)


yumematibito 0071 (2014)

Para ver mais Maeda san: https://www.flickr.com/photos/93035962@N04/


Sim, a lista é curta e pessoal. No entanto, com certeza estes fotógrafoscom seus diferentes estilos, técnicas e principalmente, olhares sobre as duas maiores metrópoles japonesas, merecem a nossa atenção e respeito. Deixo aqui meu sincero agradecimento a Junku san, Roka san, Kao san, Masao san, Minoru san e Maeda san pela paciência e prontidão sempre que solicitei algo e também pela gentileza por autorizarem a publicação das fotos que ilustram este artigo. Domô Arigatou mina san!

Abaixo um link do Flickr onde você poderá encontrar e se deleitar com os olhares de outros ótimos fotógrafos de rua nipônicos, além dos já citados neste breve artigo:

https://www.flickr.com/photos/oldroger/galleries/72157648866018906/


ATENÇÃO! Todas as fotos deste artigo possuem direitos autorais. Você precisa da permissão dos proprietários/autores das imagens se deseja cópia-las ou divulgá-las em quaisquer meios. (WARNING! All photos on this article are copyrighted and all right are reserved. You need the permission of the copyright owners if you want to copy the image or share it in any media)











Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História sua grande paixão é a Fotografia (http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/).




2 comentários:

izabel liviski disse...

Oi Rogério, sua publicação está sensacional! vamos sentir muito a sua falta.
abç.
Izabel

19 de novembro de 2014 às 20:11
Rogerio disse...

Izabel, queridona! Muito obrigado pelo elogio, ainda mais vindo de uma profissional da area dos estudos sobre Fotografia!:)))) Abs!!!

20 de novembro de 2014 às 07:20

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