domingo, 29 de março de 2015

No dia da mulher, o amor.

                       




No meu primeiro post aqui, eu, pra facilitar e tornar um pouco atraente a exposição do "quem sou eu e porque estou aqui", quis me apresentar aos leitores desta revista contando um "causo". Mas fiquei bastante frustrada porque elaborei todo o texto durante a semana e não dei por mim que em pleno dia 8, eu não tivesse cogitado falar absolutamente nada sobre o dia da mulher e que a única referência no meu primeiro post aqui a respeito dessa data, fosse o fato de ser eu mesma, uma mulher.
Afora isso e modéstia à parte, uma mulher corajosa. Pode parecer fácil visto de fora, pode até parecer, ao contrário, uma coisa de quem é covarde e tem muito medo, mas entregar-se através da escrita, sem medo (ou com medo mesmo) do julgamento do outro e, principalmente, da exposição, é ato de coragem que tenho praticado há alguns anos, com afinco.

A maior dificuldade da minha escolha-escrever foi deparar comigo em cada linha, cada verso, cada sílaba...
Encarar meus próprios dramas, a exposição, o julgamento alheio, meus pais, meus amigos. 
O papa, Jesus Cristo, o inferno que a minha tia Terezinha descrevia com detalhes.
E, assim como no dia em que voltei pra casa depois de me separar, em que decidi que aquilo só ia dar certo se eu vivesse minha vida do jeito que queria viver, sem deixar que os limites da casa dos meus pais me devolvessem pra infância, pra um lugar em que eu não queria voltar, no dia em que decidi escrever, apanhei toda a porção de coragem e joguei o medo da exposição pro ar, como as cinzas de uma pessoa querida que se quer esparramar pelo mundo.
E assim, e por isso, e porque é a coisa de mais valia entre todas as coisas que eu faço, é que tenho a ousadia de autointitular-me: escritora. 
Muito prazer, amigos.


Na literatura, como na maioria das atividades, o número de homens é muito maior que o de mulheres e isso tem a ver com essa imposição social que por séculos persiste e que quer ditar o que a mulher deve sentir, o que a mulher deve pensar, como a mulher tem que agir e que, aproveitando da feminilidade que nos é natural (ainda bem), nos submete a conceitos arcaicos e repudia mulheres pelos mais diversos motivos, inclusive na literatura.
Por exemplo, mulheres que escrevem sobre si mesmas, entregam-se em seus textos, ousam poesia erótica ou divulgam, como eu, o que pensam, o que sentem, ganham um lugar específico no catálogo especialmente preparado para desqualificá-las na arte de escrever, tirando seus méritos, renomeando seu talento.
Enquanto isso, homens escrevem o que bem entendem e são aclamados por sua entrega:

"bato uma punheta no calor
e escuto Brahms e como
blue cheese com chili."

(Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos. L&PM Editores, 2014, fl. 49) 

Não sou uma escritora renomada, eu sei, contudo, posso dizer que faço minha parte sendo uma das pioneiras na cidade a escrever poesia autoral na rede, e quase diariamente. Por isso meu depoimento tem peso: senti na carne a dádiva e a dívida de partilhar na internet poesia inédita. E como minha escrita parte de mim, batendo e voltando nas minhas paredes, senti na pele, e ainda sinto, em pleno secúlo XXI, a discriminação alheia, o julgamento do outro (da outra) ainda que muito, muito antes de mim, corajosas mulheres tenham batido na tecla deste revelar-se, propondo-a como uma revolução.
Por exemplo, Simone de Beauvoir, é claro. Ela que teve coragem de viver no "mundo dos homens", de falar de si abertamente como só falaria um homem, de viver um casamento intelectual por um motivo superior, como só se diria serem capazes, os homens?? Que muito falou sobre si mesma e as pessoas de seu círculo nos livros autobiográficos que escreveu, que contou detalhes sórdidos e corriqueiros, como quem desbrava uma montanha, enfrentando-se, encarando-se e, principalmente, entregando-se integralmente no objetivo de transformar sua geração e as posteriores?
Todo mundo sabe dessa Simone transformadora, existencialista, inventora de uma aliança nova com o homem que ela mais admirava e com quem trocava de tudo, inclusive amantes.
Mas nestes tempos de bandeiras erguidas e revanchismos, em que é mais fácil catalogar pessoas que se aprofundar no pensamento, ninguém quer saber de uma Simone feminina, que se apaixonou, que teve ciúme e fragilidades como toda criatura humana. Mas ela, como eu, como a maioria de nós, existiu.

o casal desconhecido: Simone e Nelson
"Não estou triste. Atônita, talvez, muito longe de mim mesma. Incapaz de acreditar verdadeiramente que, a partir de agora, você estará tão longe, tão longe, você que estava tão próximo. Antes de partir, quero lhe dizer apenas duas coisas, depois não falarei mais disso, prometo. A primeira é a esperança de revê-lo, um dia. Eu quero, eu preciso. Entretanto, lembre-se, por favor, de que eu jamais pedirei para revê-lo, não por orgulho, você sabe disso, mas porque nosso reencontro só terá sentido se você assim o desejar. Então, eu estarei esperando. Quando você desejar, diga. Não concluirei com isso que você voltou a me amar, nem mesmo que quer ir pra cama comigo; não estaremos absolutamente obrigados a ficarmos juntos por muito tempo - no exato momento em que, e contanto que, você assim o deseje, saiba que eu desejarei sempre que você me peça". (Simone de Beauvoir. Cartas a Nelson Algren: um amor transatlântico, 1947-1964, Editora Nova Fronteira, 2000, fl. 356)


Não poderia seguir outra linha, um grito meu a favor da mulher. De uma mulher que possa ocupar todos os espaços e que seja livre pra sentir de todo o coração. Pra se apaixonar sem medo de repressão, da mesma maneira que luta contra a violência doméstica e por equiparação salarial. Meu manifesto é pra dizer que nada que venha de nós, partindo de nós, do mais profundo querer, pode ser julgado, condenado ou tido como menor, como vazio, inclusive as manifestações de afeto incondicional, sentimento de amor e paixão, vontade, desejo ou sonho.
Os mecanismos de proteção legais vieram pra ficar e garantir nossa incolumidade perante a violência doméstica e contra essa vulnerabilidade fruto de um sórdido patriarcado e séculos de supremacia masculina na sociedade. Apoiemo-nos nisso e lutemos não só pelo direito à igualdade, mas também pelo direito à individualidade e percepção do nosso querer verdadeiro, sendo ele também sentimental, também emocional, também apaixonado (por que não?).


tive tantas vidas numa só, fui tantas que às vezes me esqueço... a ordem do tempo às vezes invertida: fui criança, muito criança, depois velha, depois mulher e então adolescente, para novamente ser mulher e agora ainda sinto como se fosse uma menina...
muitas coisas e histórias e amores e segredos, alguns porres, alguns erros, muita reflexão, uma mão de amigos, uma centena de beijos, alguns retratos vivos, de lugares e personagens que irão comigo daqui pra não sei onde....
foram tantas vidas e companhias e conclusões e poesias e lágrimas e medos e desejo de viver tudo, e desejo de morrer logo e andanças e projetos e desistos e insistos e paixões (mais do que a razão recomenda)...
foi muita vida pra pouca estrada, muitos começos pra caminhos às vezes curtos, às vezes ermos. muitos finais pra muito cedo, muitos poréns pra pouco enredo.... 
foi muito por dentro, muito por fora, foi muito intenso e continua....
nem sempre entendo, às vezes penso, às vezes só vivo e por isso choro, é muito desgaste, muito empenho, muita entrega (haja coragem!) e ainda enfrento os desastres: gente como eu só acaba aos bocados.
(no fim de tudo, só fica o amor)

Vi nesse último 8 de março, dia do meu primeiro post aqui,  um cartaz muito triste na rede social, dizendo: queremos direitos, não flores. Eu não sei vocês, mas eu quero direitos e também quero flores. Quero falar de política, mas também de amor. Quero usar a roupa que eu entender, mas também aquele vestido de florzinha que me deixa tão feminina e meu amor gosta que eu use.
Estamos num estágio de luta em que é possível, já, reequilibrar-nos. Admitir a gama de intensidades que nos acomete todos os dias, o sentimento de amor e de ódio e de raiva, de ciúme, de desejo ou ternura, sem sermos taxadas de nada, de mulherzinha ou de feminista, afinal, ser mulher é muito mais, é quase tudo, somos muito amplas, muito sábias e capazes de um fazer múltiplo e não aceitar limite ou rótulo pra nossa expressão, pro nosso estar no mundo, será nosso mais decisivo passo.
Outra coisa que quero frisar aqui hoje e conclamar a todos, mulheres e homens deste Brasil, é que, neste tempo de protestos, não se abra mão da elegância, da educação, enfim. Ainda que não se concorde com tudo (o que, particularmente, acho de bom tom, face a tudo o que tem sido revelado pela boa ou má imprensa e sabemos ser verdade - a revelação de um Brasil corrupto e vendido não é novidade pra ninguém), saibamos reconhecer que uma mulher é a autoridade máxima do país e jamais deixemos que nossa divergência política seja porta aberta para preconceitos resistentes, ofensas morais com base no gênero, repúdio à presidente usando de palavras jamais usadas pra repudiar seus antecessores. Que o protesto se paute em fatos e não se esvazie em xingamentos e não se perca em impropérios e não diminua  o mérito de uma mulher pela primeira vez na história ser governante do Brasil. Conclamo.
No mais, este é um apelo por todas as mulheres, por mim inclusive. Que possamos falar sobre o que quisermos, que nada nos rotule, estigmatize, diminua. Que principalmente as mulheres estejam juntas na defesa de si mesmas, que possamos olhar pra fora e atuar no mundo, bem como olhar pra dentro e transformar (ou contemplar) a vida, respeitando nossos momentos, nosso ritmo, às vezes nosso vagar.


"Continuo sempre me inaugurando, abrindo e fechando círculos de vida, jogando-os de lado, murchos, cheios de passado. Por que tão independentes, por que não se fundem num só bloco, servindo-me de lastro? É que eram demasiado integrais. Momentos tão intensos, vermelhos, condensados neles mesmos que não precisavam nem de passado nem de futuro para existir." (Clarice Lispector. Perto do Coração Selvagem: Rocco, 1998, fl. 101)

Enquanto mulheres, estamos neste processo de reconstrução. Enquanto mundo, também, e é isso o que jamais devemos subestimar, pulando etapas ou permitindo sejam renomeados, velhos estigmas. Não subestimemos o estar em processo...

parece estranho, mas me sinto mais forte, quando me assumo fraca 
não almejo mudar o mundo, apesar de querer que ele mude 
mas o que sinto, principalmente, é que tenho que encarar a realidade e o momento atual e falho (meu, do outro, do mundo) como algo natural e parte de um processo de progresso, ainda que impossível de identificar com esta alma míope e olhos semiabertos. 


E quanto ao amor, ah!, digam o que quiserem, mas seja em que contexto for e sob quais bandeiras forem, o amor sempre será o que nos move (homens e mulheres).


estado de amor

uma alegria
de existir e de ser
e transitar entre montes, esquinas
dizer coisas impossíveis
e dançar em plena avenida
sem música, sem companhia
estado de amor ilumina
os olhos e acaricia
o coração maltrapilho
transforma o mar em magia
e o pôr-do-sol em lembrança
de se guardar escondida
como amuleto da sorte
pra momentos difíceis
estado de amor
quando ocorre
faz a gente querer tudo
ser o tempo sempre curto
renova a esperança
quer hastear bandeira
gritar como maluco
: isso é que move o mundo!
estado de amor.


as pessoas correm pro amor 
as pessoas correm do amor 
as pessoas correm ... 
quando vai cessar esse medo?? 



ouça esta canção e perceba com o coração o que não está dito.






Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros" e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), Tem perfil no facebook e no twitter e a página Lári Prosa e Trova no facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube.













1 comentários:

Vanisse Simone disse...

Lindo texto, linda reflexão Larissa. Parabéns!
Vanisse Simone

3 de abril de 2015 às 19:51

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