sexta-feira, 5 de junho de 2015

UMA CARTA DE AMOR...

Com a  proximidade do Dia dos Namorados, me pergunto se as pessoas ainda escrevem cartas de amor umas para as outras. Hoje trago a carta de amor de uma mulher que foi abandonada mas que ainda ama e sofre. Porque amor e dor quase sempre andam juntos...



Todas as cartas de amor são Ridículas
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Álvaro de Campos


Amado,

É muito tarde. Estou sozinha em casa. Como sempre. Sou sozinha. Meu gato dorme no sofá. Mal ou bem, é uma companhia, embora dorminhoca. Para acordá-lo, é fácil. Basta sussurrar seu nome e ele acorda imediatamente. E já não estarei só. Mas não farei isso, pois sei o quanto é bom dormir. Além disso, a insone sou eu...

Gato num travesseiro amarelo, de Franz Marc

Estou tão cansada. O corpo grita de sono, mas ele não vem. Então escrevo.
Dizem que a noite é dos espíritos, mas eu não os temo, pois nada me assusta mais do que a solidão. Ela é terrível e eu estou mergulhada nela, encharcada de solidão, molhada até os ossos. A solidão dói.
Durante o dia, trabalho, estudo e produzo; consigo esquecer que sou só porque estou cercada de pessoas por todos os lados, mas quando a noite vem, inexorável, fico perdida nesta casa, que fica imensa sem você.
Talvez eu pareça fraca e medrosa, mas não ligo de mostrar fraqueza, cansei de fingir que sou forte. Sou só uma mulher que foi abandonada, tristemente abandonada. E estou desmascarada e desarmada, não tenho mais com o que lutar. Minha única força provêm das palavras, escritas nas cartas que lhe envio, diligentemente, dia após dia.  Elas são tudo o que possuo, tudo o que posso argumentar para que você volte pra mim.

Les pommes masquées, de René Magritte

Em relação à você, é assim que me sinto: desmascarada.
Lembro-me daquele quadro de Magritte  onde maçãs usam máscaras, tentando inutilmente se disfarçar. Mas é gritante a sua natureza e de longe percebe-se que são maçãs, ridiculamente escondidas.
 Sim, caíram todas as minhas máscaras, uma a uma. Estou desnuda. Não tenho mais nada a esconder. Sou o que sou. Aceita-me ou não?
Sei que pareço doente e me justifico demais. Não é bom. As pessoas  se acostumam a ouvir explicações e então toda a sua vida tem de ser relatada por pequenos depoimentos. Queria um dia, pelo menos um, chegar bem tarde no trabalho e não ter que responder perguntas.


Pintura de Anouk-Lakasse

Essa cidade é fria. Já viajei muito e não vi um frio como esse. É um frio doído, desgastante. O vento castiga os cabelos e a pele e embora eu adore o vento, tenho me protegido constantemente com um lenço ou echarpe.
Mas sei que você tem pressa e os meus cotidianos problemas não lhe interessam, embora eu tenha a esperança de que você receba as minhas cartas e nesse momento, ao menos aí, você pare um pouco e leia devagar, tentando saborear e entender cada palavra do que te escrevo. Ou será que, terrível hipótese, você nem ao menos abre as cartas que lhe envio? Será que ao receber a carta, você, reconhecendo, minha caligrafia quase ilegível, imediatamente a joga no lixo, com raiva? Ou, pior ainda, sem raiva, totalmente indiferente, com o suave desprezo dos que não amam, coloca a carta de lado e simplesmente a esquece? Meu Deus, isso eu nunca saberei. Nunca.


O que você tem feito nesses dias em que não estou a seu  lado? Sei que trabalha demais e que à noite freqüenta bons restaurantes. Mais tarde ainda, já em casa, lê muito antes de dormir. Essa é a rotina de sua vida. Mas, e agora? Tem sido assim ou algo mudou? Não, não farei a pergunta que você está esperando. Sou discretíssima. Sempre fui.
Em casa fico imaginando o que fazer. Li uma vez numa revista que arrumar armários e organizar coisas pessoais ajuda a passar o  tempo e  acalma. Mas a noite é longa e não sei quantas vezes já arrumei o meu armário e organizei meus livros e discos. Tudo lembra você. Não sei mais o que fazer.  Estou atenta a tudo  e tudo é você.
 
Pintura de Margaret Keane
O que aconteceu conosco? Essa é a pergunta que me faço e não consigo responder. Para onde foi aquele brilho, aquela energia que nos ligava? Não vou falar de amor. Você nunca disse que me amava. Eu também não. Mas sempre, sempre te amei. Não, não quero falar de amor. Falemos de ...bichos... Você sabe que tenho um gato e ele se chama Guapo. É um gato gordo e bonachão, um gato que  parece  velho, embora não tenha um ano de idade. Como algumas pessoas, ele aparenta mais idade. E como algumas pessoas, é  confiável. É  meu companheiro e à noite, quando chego em casa, ainda no quintal ele pressente minha presença e começa miar. Os gatos são extremamente intuitivos. Quando estou muito triste ele pula no meu colo e começa a ronronar. Sei que é para me confortar. É isso que sou, amado. Uma mulher que chega do trabalho à noite e tem um gato como companhia.
Se quiser me encontrar, você sabe onde. Estarei esperando. Como sempre. 
 Com todo meu amor,

Eu



O gato de Chezhire, de Oxana Zaika



Imagens retiradas da Internet, sem fins comerciais:

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Tarô de Namur






Vanisse Simone Alves Corrêa é doutoranda em Educação pela UFPR e co-editora da Revista Contemporartes. Já escreveu e recebeu muitas cartas de amor.

1 comentários:

Anônimo disse...

Olá, boa tarde!


Estávamos em busca de obter informações sobre o assunto: como escrever uma carta de amor e encontramos um artigo de vocês pertinente.

Muito bom por sinal! Gostamos especialmente da forma como foi abordado o tema.

Na realidade, criamos recentemente um infográfico, explicando como organizar e criar uma boa carta de amor.

Caso tenha interesse em obter mais informações, entre em contato conosco.


Atenciosamente,

Lindas Frases de Amor
http://www.lindasfrasesdeamor.org

20 de fevereiro de 2016 às 18:38

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