quinta-feira, 17 de março de 2016

I get along without you very well



Quando você me deixou e disse para ser feliz e passar bem, eu quis morrer de ciúmes e quebrar histericamente todas as xícaras, tombar os pratos de porcelana, enganar o diabo, acordar sua família com um escándalo qualquer e escrever no muro um refrão estrangeiro; quis violentar o seu rosto com selvageria, roubar no seu jogo, inventar novas regras, sabotar os peões, arranhar os seus discos antigos e os CD’s de meia idade. Nada ficou no lugar. Quando você se foi, eu quase enlouqueci. Depois, como era de costume, prossegui. Rasguei as suas cartas e não te procurei.
Claro que sim.
Exceto naquela manhã quando pensei em entregar suas mentiras e invadir sua aula virando-me do avesso, balbuciando palavras imóveis na sua língua bárbara, gritando absurdos, chorando sem cuidado e berrando miudezas. Exceto quando eu cogitei publicar seus segredos no diário da manhã, no blog da vizinha, na linha do tempo da minha vida, no varal – feito cordel e nos flyers coloridos de um bordel anos 80; no tapete pendurado da varanda, nas canções da banda local, nas marchinhas de carnaval, na comunidade da minha irmã. Exceto quando eu considerei, com desespero, derramar nos seus planos o resto pouco da minha alegria. Se me lembro - às vezes - das nossas coisas?
Claro que sim.
Mas prossegui muito bem sem você. No ramalhete inóspito da rotina, acabei me esquecendo como deveria. Exceto quando planejei abrir todas as portas da nossa casa velha e percorrer correndo os corredores em silêncio, nua por completo e trazendo no corpo as vestes, ouvindo o abandono simples das vozes desencontradas numa sala vazia, nas paredes transparentes e perdidas do edifício. Sim, exceto naquela tarde, quando quis entrar no labirinto dos labirintos e receber o beijo frio de uma deusa morta - deus morto, fêmea de língua gelada. Quando imaginei em cada quarto rever a mobília e em cada um matar um membro da família que não tivemos. Assim como deveria, aos poucos, fui me esquecendo. Eu sigui em frente sem você muito bem.
Claro que sim,
mas, quando você quiser, apareça. Quero ver o que você faz ao sentir que sem você eu passei bem demais e que, longe da sombra e do maltrato, a vida apareceu feito um botão de flor no beiral da janela aberta. Depois de uns meses, sem mas nem porque, me peguei cantando uma canção do Palo Congo, de Sabu Martinez. Uma daquelas que você dizia ser uma barulhada chata e que eu evitava para não contrariar. Por falar nisso, como estão indo as aulas de inglês? Tantas águas rolaram desde que você se foi. Meu deus, tanto tempo. Tantos homens me amaram bem mais e melhor que você. Tantas bocas sonharam a minha felicidade, tantos olhos contaram a mesma verdade, tantos braços escreveram uma outra história, tantas pernas laçaram segredos incultos, tantos passos rondaram uma segunda vaidade, tantos dedos sufocaram com ternura a palma estendida sem medo e o rosto limpo do meu coração.
Claro que sim,
se precisar de mim, venha. Quero te ver, olhos nos olhos. Quero ver o que você me diz e como suporta me ver tão feliz depois de sonhar tantos anos e fazer tantos planos de um futuro a dois; depois de varar madrugadas esperando por nada e me arrastando no chão. Nós dois já tivemos momentos, mas não podemos negar que o nosso tempo passou e não somos os mesmos. Faz muitos anos que troquei seus retratos pelos de um outro alguém e hoje nós temos liberdade para amar à vontade sem causar despautérios ou tolices mordentes, sem trair mais ninguém. Não quero vingança. Dos trocos que eu poderia ter dado, a maior pancada, foi ter sido amada - por outra pessoa; o melhor xingamento, foi o meu sentimento - pela vida; o grande despreso, foi ter aceso o que você apagou. Quer aparecer?
Claro que sim.
No rodapé, está o número do meu escritório. Entre as nove da manhã e as seis da tarde, ligue para o meu assessor. Marque com ele um horário, diga que é um amigo. Devo ter lá uns quinze minutos para um café na terça-feira. As coisas estão bem corridas por aqui.
           
No mais,
seja feliz e passar bem.

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