Nada nos é ideologia, pois tudo o é!


Ideologias... no sentido mais "Chauíano", que apesar de beber de Marx, acrescentada à brilhante análise de Lefort, desfecha-se perfeita ao século XX e XXI. Marx não os assistiu, mas seus ossos devem revirar-se no caixão.

No final da Segunda Guerra, com a vitória dos aliados, os ideais nacionalistas do Estado Novo perderam sentido, de certa forma, o que Boris Fausto apontou como uma das causas para a queda “pacífica” de Getúlio em 1945. Com os ideais de uma democracia resplandecendo sobre a ótica dos vitoriosos, a esperança de prosperidade econômica no protótipo dos EUA, a entrada do capital transnacional associado à elite nacional propiciaram, nos anos que seguiram, o surgimento de uma nova mentalidade cultural: o “americanismo”.

Claro que isso não foi apenas a nível cultural, mas sobre a cultura, Heloísa Hollanda afirmou que a cultura e a influência estrangeira (apesar de ter sentido amplo sobre a abordagem da autora, a frase refere-se ao cinema) havia adquirido “uma qualidade de coisa nossa, na linha de que nada nos é estrangeiro, pois tudo o é”. Essa frase muito bem elaborada marcou meu contato com seu texto, porque descreve a exata sensação do movimento nacionalista que, apesar de ter perdido força, não havia morrido: a década de 50, contra ponto da afirmação acima, houve um crescimento do movimento operário nas grandes cidades e organizações delineadas por algum objetivo em comum, normalmente em partidos, sindicatos, movimentos estudantis ou artísticos. Movimento que teve seu auge na década de 60, pouco antes de ser “detido de enxofres” (paráfrase de Hobsbawn) pelo golpe militar.

Bom, e o que isso tudo tem a ver com o título desse texto? Vamos lá! Foi exatamente no período mencionado acima que se iniciou a guerra ideológica entre direita e esquerda que, somada ao acentuado processo de industrialização de países em desenvolvimento e contínuo avanço tecnológico, configurou o cenário mundial para o movimento de expansão da mídia, permitindo então a consolidação de uma nova forma de dominação: a mídia passou a ser parte integrante do aparelho político mundial, e é reconhecida por muitos como um 4º poder do Estado Moderno! Com a intervenção da mídia e suas artimanhas de manipulação, o público passa a ver a realidade num reflexo distorcido e maquiado e essa foi a base da guerra ideológica do século XX e também das políticas emergentes do século XXI. Um filme de certa forma sensacionalista dirigido por Costa Gravas, O Quarto Poder (título original: Mad City, 1997) ilustra como a influência da mídia legitima, ou não, uma ideologia sobre a população.

E essa influência que a mídia tem sobre as pessoas, influência que vem aumentando consideravelmente nas 2 últimas décadas devido à expansão do alcance tecnológico, cada vez mais acessível indistintamente da classe social (aqui não importa a qualidade da tecnologia ou sua legalidade), aliada aos interesses das classes dominantes, fazem com que a nossa "realidade" política e econômica se torne cada vez mais "irreal". Daí, sobre os dias em que vivemos, parafraseando o que a autora expôs sobre a cultura dos anos 50, é possível fazer uma nova reflexão: se na década de 50, nada nos era estrangeiro, pois tudo o era; hoje, nada nos é ideologia, pois tudo o é!

Não há em meus texto nenhuma intenção ou interesse político em fazer apologia a um ou outro governo, porém questiono até que ponto pode-se considerar legítimo um poder baseado na manipulação e distorção da realidade e essa é a minha preocupação sobre os rumos da política, não apenas brasileira, mas dos rumos da conjuntura política e econômica mundial nesse período de incertezas. O que sabemos, se sabemos, e do que sabemos, o que é real? De todos as mudanças que estão por vir; de todas as crises (econômica, de recursos e ambientais) que o mundo está vivendo; de todos os governos que emergirão nos próximos anos; de todas as verdades e de todas as mentiras; apenas espero e desejo que a população realmente tenha seu lugar ao sol.




Yone Ramos Marques de Oliveira, teóloga e historiadora, escreve aos sábados, quinzenalmente no ContemporARTES.












Ler Mais

MARGARIDA DEMONÍACA



MARGARIDA DEMONÍACA
A política cultural do governo Lula, desembaraçada pelo ex-ministro Gilberto Gil e continuada pelo Sr. Juca vem dando resultados bastante significativos ao longo desses oito anos - em que pese algumas queixas-sempre-queixas. Falamos em política cultural, como Albino Rubim, quando, dentre outros requisitos, “falamos em intervenções conjuntas e sistemáticas; atores coletivos e metas”.

Uma das metas mais felizes para os dados à Arte de Talma é o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz, que desde 2006 vem se consolidando como uma das principais ações de estímulo à produção teatral do país. Através do Myriam foi possível assistir em Campo Grande (MS) durante o 4º FESTCAMP a encenação de Apareceu a Margarida (1973), versão de João Lima e Arce Correia para o clássico de Roberto Athayde.


Clássico porque ao lado de Antígona, Medéia, Lady Macbeth, Nora, Ofélia, Julieta, Hedda Gabler, Blanche, Leonor de Mendonça, Berenice, Adelaide, Zulmira, Xepa, Branca Dias, Romana e Joana, dentre outras inumeráveis e fascinantes personagens femininas, Margarida surge e ressurge nos palcos brasileiros como uma das mais vibrantes delas. Margarida é metáfora de um autoritarismo caduco e claudicante; sua postura, hoje, é anacrônica, incoerente. Então, uma pergunta, por que montar esse texto hoje, em tempos tão diferentes? Qual poder ainda resiste nesse texto?

Se as respostas fossem dadas apenas pela sua leitura, talvez, víssemos pouco sentido em sua montagem, mas quando assistimos Arce Correia na pele de Margarida. A questão é bem outra. Arce é um ator vibrante e inteligente porque opta pelo não travestimento da personagem, o que poderia cair em caricatura fácil. Assim propõe o jogo, a cumplicidade com o público reiterando a teatralidade da encenação. Arce é homem e extrai de Margarida essa força masculina, que a verticaliza como potência destruidora. Margarida-Arce é mais do que ameaçadora, é demoníaca. Margarida é um grande ganho para Campo Grande e para o Brasil.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.
Ler Mais

A FOTOGRAFIA BEM-HUMORADA DE RENÉ MALTÊTE



René Maltête nasceu em 1930 em Lamballe (Côtes d'Armor, França). O velho francês “cabeça ruim”, como ele gostava de dizer, começou a fotografar aos 16 anos e em 1951 vai para Paris para se tornar assistente de diretor. Ele enfrenta a cidade grande e vive a Paris “dos 24 ofícios e 36 misérias” e em 1952, começa a trabalhar com Jacques Tati e Barma Claude. Os tempos eram difíceis, e ele teve que manter diversos trabalhos para sobreviver.


                                                            Os sete pecados capitais

Em 1958, ele integra a famosa Rapho agência de fotografia, e em 1960 publica seu primeiro livro "Paris des rues et des chansons», com texto de Jacques Prévert. Muitos outros livros se seguirão.

                                                                     Genética

Fotógrafo, poeta, humorista, ecologista precoce, René Maltête tinha o talento para captar situações engraçadas da vida cotidiana. Suas fotos foram publicadas em várias revistas, em todo o mundo, como: "Stern", "Vida", "Época", "Camera", "Asahi Camera". Fez muitas exposições e transformou seus trabalhos em postais, o que contribuiu para popularizar a sua obra.


                                                                     Dupla Face

Suas fotografias são baseadas em incongruência e surpresa, o humor está sempre presente, mas mais do que apenas uma imagem, há muitas vezes uma dimensão filosófica. Maltête foi poeta das palavras e da imagem.



                                                                   Sereia Urbana

René Maltête segue a linha surrealista da pintura e tem fotografias simplesmente brilhantes. Este fotógrafo tem trabalhos sobre a cidade e a gente de Paris que retratam a realidade como um espelho. Tem um sentido de humor fabuloso e também foi reconhecido como empreendedor. Era considerado um ladrão marginal de imagens.



                                                                   Adolescência

Após uma rica trajetória de realizações, René Maltête morreu em 8 de novembro de 2000, deixando uma vasta e instigante obra cujo acervo é mantido pelo filho, Robin Maltête.


A Maioria


Obras publicadas:

* Paris des rues et des chansons, 1960, Éditions Port-royal.
* Au petit bonheur, la France, 1960, Éditions Hachette.
* Intervention à coeur ouvert, 1962, Éditions Grassin.
* Graines pour les sans jardin, 1980, Éditions Firmin-Didot.
* Scribouillages, 1985, Poèmes et photos, chez Plessier.
* Cent poèmes pour la paix, 1987, Éditions Le Cherche Midi.
* 100 poèmes pour l'écologie, 1991, Éditions Le Cherche Midi
* À quoi ça rime ?Poèmes et photos, 1995, Éditions Donner à voir.
* Des yeux plein les poches, 2003, Éditions Glénat.





Izabel Liviski é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual. Escreve desde 2009 a Coluna INcontros, e é co-editora da Revista ContemporArtes.












Ler Mais

Trajetória do grupo Neblina sobre trilhos


O objetivo primordial desta matéria inicial para a revista Contemporartes é o de compartilhar com leitores, a formação do grupo de pesquisa e extensão: Neblina Sobre Trilhos.

Em 2007, alguns alunos do Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA) se conheceram num período de greve da Faculdade de Letras Filosofia e Ciências (FAFIL/CUFSA) e uma das questões em pausa foram os interesses em comum de pesquisas. Após muita conversa decidimos (os alunos Carolina Alamino (história), Demócrito Nitão Mangueira Junior (história), Emerson dos Santos Queiroz (sistemas de informação), Fabio Luis Cardoso (história), Marina Rosmaninho (ciências sociais), Sebastiana Fontes (ciências sociais) e Soraia Oliveira Costa (ciências sociais)) formar o grupo de pesquisa.

A primeira necessidade encontrada foi o vínculo institucional para ter apoio de professores que se interessariam pelos temas. Os professores Odair de Sá Garcia, mestre em Gestão Educacional pela UNICAMP e a Terezinha Ferrari, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, aceitaram conceder apoio e orientações aos pesquisadores. Por meio do Núcleo de pesquisa e extensão Cidade, Trabalho e Técnica (CITTEC), coordenado pela Profa. Terezinha. Assim, foi criado formalmente o grupo institucional de pesquisa e extensão História Sobre Trilhos do CUFSA (HST) com a pretensão de:
  • Fazer uma reconstrução histórica de uma parte da malha ferroviária paulista, o sistema de transporte iniciado pela São Paulo Railway, inaugurado em meados da década de 1860, como também analisar o funcionamento dos vários sistemas tecnológicos utilizados na implantação da rede ferroviária paulista ao longo do século XX;
  • Abordar a organização do trabalho na manutenção e funcionamento da rede ferroviária no trecho do planalto ao porto de Santos, até se chegar ao início das fábricas e consolidação de cidades em seu entorno;
  • As mudanças ocorridas no próprio processo de industrialização e organização do trabalho nestas indústrias estudadas assim como mudanças no sistema de informação e tecnologia do setor ferroviário influem para figurar o quadro que este trecho ferroviário se encontra nos dias atuais;
  • Realizar uma analise sociológica, histórica e tecnológica dos impactos das mudanças dentro do mercado e novas maneiras que empresas e indústrias adotaram para obter a balança favorável, seja através da injeção de capital no segmento da tecnologia ou na procura de novos sistema de informação, organizacionais dentro do espaço do trabalho, afeta o cotidiano e a paisagem das cidades em que a ferrovia está instalada.

A multidisciplinaridade do projeto promove também o entendimento de que todas as áreas do conhecimento precisão ser utilizadas. A História sobre trilhos era neste viés a formação de um mosaico em que cada problemática especifica completa a analise da totalidade. Desta forma as ciências sociais e a tecnologia formam uma unidade.

Com a intenção de agregar as diversas áreas do conhecimento uma das linguagens que se pretende utilizar é a produção de um vídeo documentário, pois ele proporciona um dinamismo que demonstrará a unidade de diversas áreas do conhecimento enquanto percorremos o caminho dos trilhos.

***

Posterior a consolidação do grupo de pesquisa e extensão História sobre trilhos, a Pró-reitoria de extensão do CUFSA (PROPPEX) divulgou as idéias elaboradas pelo grupo HST, para o envio do Edital PROEXT 2009/06 MEC/Sesu e surgiu a possibilidade de uma parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC). A proposta era para ser reelaborado um projeto de um vídeo documentário de acordo com a verba e tempo de execução. Por meio de afinidades do conteúdo elaborado e com a produção audiovisual foi decidido entre os integrantes do grupo HST a participação dos pesquisadores: Demócrito, Marina e Soraia, com auxilio dos orientadores: Cláudio Luiz Penteado, doutor em Ciências Sociais PUC-SP e professor Adjunto da UFABC, Odair de Sá Garcia e Terezinha Ferrari.

Elaboramos o projeto audiovisual intitulado “Transformação sensível, neblina sobre trilhos” e foi aprovado e, assim, consolidada a parceria do CUFSA e da UFABC para a produção do projeto e do grupo de pesquisadores que se uniram em janeiro de 2010. Os componentes oficiais que estão em sintonia produzindo-o são a profa. Ana Maria Dietrich doutora em História Social pela USP e professora Adjunto da UFABC, o prof. Dr. Cláudio Penteado, a profa. Dra. Terezinha Ferrari, o prof. Ms. Sá Garcia e os alunos pesquisadores são: André Mazoli Lima (discente Física/ UFABC), Demócrito Nitão (discente História/ CUFSA), Paulo Akio Duarte (discente Engenharia Urbana e Ambiental / UFABC), Marina Rosmaninho (socióloga /CUFSA), Soraia Oliveira Costa (socióloga/ CUFSA).

O documentário Transformação sensível, neblina sobre trilhos mostrará a Vila de Paranapiacaba, construída pela São Paulo Railway Company Ltd. (SPR) para abrigar os trabalhadores do sistema funicular, a partir de entrevistas dos ferroviários, seus parentes e moradores da vila, além de pessoas ligadas ao turismo, estudiosos e turistas.

Este documentário busca estabelecer um diálogo entre passado e presente, narrados a partir da viagem de trem para contar a História da SPR e de seus trabalhadores na Vila de Paranapiacaba. Nossa equipe de pesquisadores busca fazer o levantamento das motivações e dos movimentos históricos que levaram ao descontentamento, desemprego e desencanto dos antigos e atuais moradores da Vila de Paranapiacaba, pois mesmo pelo fato de ser considerada um patrimônio Histórico pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, pouco se é difundido os ensinamentos sobre a história da Vila, já que o baixo e mal direcionado incentivo ao turismo não se manifesta como suficiente aos atuais moradores, muito menos pedagógico à história da Vila, que um dia foi um marco da pujança e da tecnologia em solo do Estado de São Paulo e do Brasil, por meio da sua repercussão no mundo foi amplamente reconhecida.

Na próxima postagem iremos divulgar mais sobre o conteúdo e o andamento do documentário, aguarde as novidades e embarque nesta viagem de trem!

Assista também ao vídeo de uma exposição que o grupo HST realizou em 2009: http://vimeo.com/7625467


Soraia O. Costa é graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2009). Pesquisadora e documentarista do projeto Neblina sobre Trilhos sobre a memória ferroviária de Paranapiacaba - apoio institucional Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA), Universidade Federal do ABC (UFABC) e Ministério de Cultura e Educação MEC/SEsu. Funcionária superintendente de operações e pesquisas econômicas do Intituto Brasileiro da Economia, Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (IBRE/FGV-SP). Participam dessa coluna o historiador  Demócrito Mangueira Nitão Junior FSA/UFABC e a socióloga Marina Rosmaninho FSA/UFABC.
Ler Mais

A saia almarrotada - Mia Couto



Olá leitores. Depois de um tempo entre encontros e desencontros escrevo uma nova matéria sobre Arte elaborada por falantes de Língua Portuguesa. Hoje, quero apresentar a vocês um autor, mais especificamente um conto deste escritor de Literatura Africana de Língua Portuguesa: Mia Couto.

Imagino que muitos de vocês já tenham, em algum momento, ouvido falar sobre a literatura de Mia Couto. Outros que ainda não o conhecem devem ficar de sobreaviso que após entrarem em contato com a escrita coutiana se depararão com um novo mundo, uma nova ideologia, uma brilhante e instigante maneira de se fazer literatura.

António Emílio Leite Couto (Mia Couto) é um escritor moçambicano, filho de imigrantes portugueses que se mudaram para as terras africanas em meados do século XX – época em que Moçambique ainda era uma colônia portuguesa. Este importante autor iniciou os estudos em medicina, mas, abandonou o curso e trabalhou como jornalista durante algum tempo. Ele somente abandonou seu emprego de jornalista para continuar seus estudos universitários em Biologia.

Mia Couto é reconhecido como um dos mais importantes autores moçambicanos. Além disso, é o escritor de Moçambique mais traduzido (ele também foi agaloado com vários importantes prêmios de literatura). A obra deste autor é influenciada e muito pela obra do brasileiro João Guimarães Rosa, de maneira que a escrita coutiana é marcada pela tentativa de recriar a lí ngua portuguesa com influência moçambicana, utilizando um léxico de variadas partes do país, produzindo uma narrativa africana.


Após apresentaçõe s, devo dizer a vocês o porquê de eu ter resolvido escrever sobre Mia Couto. Há algum tempo iniciei a leitura de um livro de contos coutianos intitulado O fio das missangas, me encantei com contos tão profundos, que nos levam a refletir sobre o ser humano, a realidade cruel em que muitos vivem. Mais especificamente, como postula o próprio autor, a grande parte dos contos que comp õem este livro se debruça sobre o universo feminino, dando voz àquelas a quem a vida obrigou a silenciarem-se, retirando-lhes do vil esquecimento.
Um desses contos que muito me tocou na sua fina sensibilidade e na ampla gama de significações implícitas é “A saia almarrotada”, no qual uma voz feminina narra a sua vida, com especial atenção para uma saia que ganhou de presente de seu tio. Entremeados à narração surgem apontamentos e constatações da dura realidade na qual a personagem vive. Ela, em uma revelação um tanto quanto chocante, nos diz “Nasci para a cozinha, pano e pranto. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha” (COUTO, 2009, p. 29).

Após esta revelação já tomaremos conhecimento do mundo triste, cheio de exploração, de renúncia e maus tratos no qual a personagem vive. Ela que não fora acostumada a receber elogios, a se arrumar, “perante a oferta do vestido [oferta feita pelo tio], fiquei dentro do meu ninho ensombrado. Estava tão habituada a não ter motivo, que me enrolei no velho sofá. Olhei a janela e esperei que, como uma doença, a noite passasse” (COUTO, 2009, p. 29).


Depois disso, a feminina voz nos conta um pouco de sua vida, diz-nos que era a única menina entre muitos filhos, foi criada por seu pai e tio como uma escrava, para deles tratar. Desde a infância, ela tivera consciência de que o amor lhe seria impossível, juntamente com a vaidade. Na hora da comida, ela diz-nos que não se falava em comer e sim, sentar. Neste momento, “Os braços se atropelavam, disputando as magras migalhas” (COUTO, 2009, p. 30) e para ela só tinham sobras, após gritarem “Um pouco para a miúda: assim, sem necessidade de nome” (COUTO, 2009, p. 31).

A vida desta mulher é-nos apresentada como marcada pelo mais extremo sofrimento, de maneira que ela nos diz que “Na minha vila, as mulheres cantavam. Eu pranteava. Só a lágrima me desnudava, só ela me enfeitava.” e “Eu envelhecendo, a ruga em briga com a gordura” (COUTO, 2009, p. 31). Os fatos narrados se dão após a morte do pai, “Chega-me ainda a voz de meu velho pai como se ele estivesse vivo. (...) Que me ordenava que ficasse feia, desviçosa a vida inteira. (...) Sempre ceguei em obediência, enxotando as tentações que pirilampeavam a minha meninice” (COUTO, 2009, p. 31 - 32).
A ordenação paterna mais marcante diz respeito à personagem colocar fogo no vestido, ela diz que em uma cova enterrou o vestido e colocou fogo em si, “Lancei, sim, fogo em mim mesma.Meus irmãos acorreram, já eu dançava entre labaredas, acarinhada pelas quenturas do enfim” (COUTO, 2009, p. 32). Esta mulher, ao fim da narrativa nos lança uma metáfora, que nos parece parte importante de sua vida, ela diz:

“Agora, estou sentada, olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E parece que me sento sobre a minha própria vida” (COUTO, 2009, p. 32).


Esta metáfora nos remete à perda da infância, da juventude, de ilusões. À mulher do conto não foi permitido sonhar, não foi permitido amar, não foi permitido comer. Sua vida se reduziu a sofrimento, a se calar perante as ordens do pai que lhe criara como uma verdadeira escrava. Escravidão física e psicológica. Na verdade, uma ampla subversão de elementos necessários ao crescer, a se desenvolver e a pensar. A saia não passa de um sonho que após tantos anos adormecido se amarrotou ou “almarrotou”.

A alma da personagem é como a saia, amarrotada, machucada, derrotada, esquecida e condenada a uma existência mais próxima de uma não-existência, uma vez que ela não viverá por si só e sempre terá atrás de seus passos sombras que lhe impedem de viver.

A repressão domina toda a narrativa, fazendo um retrato da vida de uma mulher africana, que pode ser estendido a muitas outras na África e no mundo. Os sonhos desta personagem não podem ser realizados, ela vive em meio a uma intensa repressão, em uma posição altamente marginalizada e discriminada. Ela viveu em uma intensa clausura que a obrigou a se excluir da sociedade e da vida, não podendo ser ativa nem em relação a si mesma enquanto sujeito, o seu próprio nome é apagado de uma História da qual ela não participou.

Os leitores que se interessaram por esta história devem adquirir O fio das Missangas e deixarem serem levados e encantados pelos 29 contos que lhe compõem.












Rodrigo C. M. Machado é Graduando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e, neste momento, pesquisa a representação dos corpos na poesia de António Botto.
Ler Mais

Os Finalistas do Prêmio Portugal telecom 2010



Vinte Por Cento de Poesia.

por Altair de Oliveira


Foi divulgado no dia 31 de agosto a lista dos 10 finalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura de 2010, um dos mais importantes prêmios de literatura em língua portuguesa editados no Brasil, que contempla livros de romance, conto, poesia, crônica, dramaturgia e autobiografia, editados no país no ano anterior (2009). Da lista de finalistas serão escolhidos os 3 primeiros lugares, que representam os 3 melhores livros e que receberão os valores de R$ 100.000,00 ao primeiro colocado, R$ 35.000,00 ao segundo colocado e R$ 15.000,00 ao terceiro colocado.

- Pornopopéia, de Reinaldo Moraes - Romance - Editora Objetiva
- Outra vida, de Rodrigo Lacerda - Romance - Editora Alfaguara
- Leite derramado, de Chico Buarque - Romance - Editora Cia das Letras.
- "Lar," de Armando Freitas Filho - Poesia - Editora Cia das Letras
- Monodrama, de Carlito Azevedo - Poesia – Editora 7letras
- Filho da mãe, de Bernardo Carvalho - Romance - Editora Cia das Letras.
- A passagem tensa dos corpos, de Carlos de Brito e Mello - Romance - Editora Cia das Letras.
- Avódezanove e o segredo do soviético, de Ondjaki (português-angolano) - Romance - Editora Cia das Letras.
- Caim, de José Saramago - Romance - Editora Cia das Letras.
- Olhos secos, de Bernardo Ajzenberg - Romance - Editora Rocco.


O júri final deste ano é composto por José Castello, Alcides Villaça, Antonio Carlos Secchin, Cristovão Tezza, Lourival Holanda e Regina Zilberman, e deverá decidir, até o dia 08 de novembro deste ano, quais serão os louváveis vencedores.

Da lista dos finalistas observamos que há uma forte predominância das publicações da editora Companhia das Letras, com 60% dos títulos, enquanto que as outras editoras representadas tiveram apenas um título cada uma. Observamos ainda que não há nenhum finalista, cujo título esteja representado apenas pelo autor, e que dos livros selecionados, há uma predominância da prosa de ficção (romance) em relação à poesia e aos outros gêneros de literatura anunciados pelo prêmio. Por isso, concluímos toscamente que se você escreve prosa e publica pela editora Cia das Letras, certamente terá mais chances de botar as mãos neste prêmio no futuro que, por exemplo, se você for um poeta pobrinho que, ainda assim, tenha bancado a sua própria publicação.

O prêmio, que é patrocinado por uma empresa de telecomunicações portuguesa com aplicações no Brasil, foi instituído em 2003, e chega portanto à sua oitava edição. Matematicamente falando, nas 7 edições anteriores 20 livros já foram premiados, sendo 17 deles de prosa e 3 de poesia. Neste ano a poesia continua em minoria, mas está fortemente representada por dois grandes poetas, os cariocas Armando Freitas Filho e Carlito Azevedo. Para os quais, a nossa humilde coluna de poesia como a vida, está torcendo fervorosamente!


Sobre o Prêmio Portugal Telecom

O prêmio anual de literatura Portugal Telecom é regido por uma curadoria sediada em São Paulo que participa da composição do júri, neste ano ela é formada por Benjamin Abdala Jr., Leyla Perrone-Moisés e Manuel da Costa Pinto, sob a coordenação da consultora literária da Portugal Telecom, Selma Caetano. Devido à vistosa quantia paga por uma premiação literária desta natureza no Brasil, o prêmio tem se tornado um dos grandes atrativos para os nossos praticantes de literatura.

A seleção dos trabalhos a serem premiados é feita em 3 etapas, que podem ter pequenas variações a cada ano. Na primeira fase, a curadoria indica no mínimo 300 profissionais de literaturas em língua portuguesa das cinco regiões do Brasil para compor o Júri Inicial. Este terá um prazo no inicio de cada ano para selecionar 50 trabalhos, sendo 90% reservado para edições brasileiras e 10% para os livros com edições iniciais em outros países. O júri inicial é responsável também para escolher, entre seus participantes, os onze representantes que irão compor o júri intermediário. Nos meados do ano, o júri intermediário deve escolher os 10 finalistas que deverão ser submetidos ao júri final e escolhe também, entre seus membros, os seis representantes que comporão o júri final. A este último caberá a definição dos vencedores do prêmio.

As inscrições para participar deste prêmio de literatura devem ser feitas por seu autor ou editor no site www.premioportugaltelecom.com.br, no início de cada ano. Neste ano o prazo de inscrição foi de 10 de fevereiro a 07 de março de 2010. Para saber mais detalhes de como participar, consulte o site oficial do prêmio Portugal Telecom, e boa sorte!


Quem são os poetas premiáveis:

Armando Martins de Freitas Filho nasceu no Rio de Janeiro em 18 de fevereiro de 1940, e é hoje um dos principais expoentes da poesia brasileira. Foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional, assessor no gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou.
Em 2003 publicou Máquina de escrever — poesia reunida e revista (19632003), onde comemora 40 anos de carreira. Recebeu, em 1986, com o livro 3x4, o prêmio Jabuti e em 2000, com o livro Fio terra, o prêmio Alphonsus de Guimaraens, concedido pela Biblioteca Nacional. Em 2001 ganhou a Bolsa Vitae de Artes. Em 2006 publicou Raro mar.
Em
1979, publicou o ensaio Poesia vírgula viva, no livro Anos 70 - Literatura, no qual faz um panorama da poesia brasileira desde os anos 50. É o organizador da obra de Ana Cristina César. O livro "Lar," (Lar vírgula) é uma espécie de autobiografia poética do autor.

***

Carlito Azevedo nasceu no Rio de Janeiro (4 de Julho de 1961). O seu primeiro livro de poemas, Collapsus linguae, recebeu o prémio Jabuti. Publicou ainda As banhistas, Sob a noite física (em Portugal: Livros Cotovia, 2001) e a antologia Sublunar, que recebeu o prémio Alphonsus de Guimarães, da Biblioteca Nacional do Brasil. Foi editor da revista de poesia Inimigo Rumor. O livro Monodrama, publicado em 2009, após um intervalo de 13 anos de sua última publicação poética, traz uma poesia mais discritiva em relação aos primeiros trabalhos do poeta.



DOIS POEMAS:



18 de Fevereiro



Dia do meu adversário.


Invisível, no início, quando


inocente, não se olha para trás


apesar de cada ano crescer


a sombra, à luz de velas


cercada de palmas vivas


que vão mudando de sentido


sub-reptícias, diminuindo o som


uma a uma, perfumando-se, frias


enquanto as chamas relutantes


se firmam e enfrentam o sopro


que perde o fôlego para o fogo.





Poema de Armando Freitas Filho, In: 'Lar,'




***



O TUBO


(Parte I: Paraíso.)



Foi quando a luz


voltou e vimos


o rosto da jovem


que se picava junto


à mureta do Aterro,


a camiseta salpicada,


a seringa suja.


"Nenhum poema


é mais difícil


do que sua época",


você disse


em meu ouvido


sem que eu soubessese


era a ela que se


referia ou se ao livro


que passava das mãos


para o bolso da jaqueta.


Distinguimos


lá longe


a Ilha Rasa,


calçamos os tênis


e seguimos


sem atropelo


sentido enseada.



Poema de Carlito Azevedo, In: Monodrama.




***



Para ler mais:


- Poemas de Armando Freiras Filho, no site Germina Literatura: http://www.germinaliteratura.com.br/aff.htm
- Poemas de Carlito Azevedo, no site Germina Literatura: http://www.germinaliteratura.com.br/cazevedo.htm



***


Ilustrações: 1- foto do poeta Carlito Azevedo; 2- foto do poeta Armando Freitas Filho; 3- Capa do livro "Lar,", de Armando Freitas Filho; 4- Capa do livro "Monodrama", de Carlito Azevedo.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

Ler Mais

Independência ou morte!


Aproveitando que estamos na véspera de um feriado, também conhecido como o dia da Independência. A  Drops aproveita para falar um pouco sobre  independência, dominação e evidentemente, sobre Brasil


Brava gente brasileira!
Longe vá... temor servil:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.

Já se passaram quase dois séculos desde o dia em que Dom Pedro às margens do Ipiranga, pressionado e motivado por uma série de fatores políticos, decretou a Independência. E foi nesse dia 7 de setembro de 1822 que supostamente começa a história de uma colônia recém emancipada chamada Brasil.


Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Quase duzentos anos depois de nossa emancipação, será que esse feriado faz tanto sentido assim? Será que verdadeiramente somos uma nação independente? Não seria a independência uma utopia? Não seria uma utopia pensar que um dia deixaremos de depender economicamente de nações hegemônicas? Não seria uma ilusão pensar que uma dia valorizaremos nossa cultura tanto quanto ou mais que culturas estrangeiras?


Parabéns, ó brasileiro,
Já, com garbo varonil,
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil.

Não acredito que seja uma utopia todas essas coisas, pois quando pensamos assim deixamos de acreditar. Mas, acredito que seja um sonho, que vale a pena ser sonhado por todos os brasileiros. Afinal,  “quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade” – Dom Quixote.

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim






Ana Paula Nunes é jornalista, Pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura pela Universidade de São Paulo/USP. Editora assistente e Coordenadora de Comunicação da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades. Escreve aos domingos na ContemporARTES.
Ler Mais