Um bate-papo entre Bira Vidal e Djalma Thürler


Diálogo em 3 Atos
Prólogo
Esse foi um bate-papo, uma conversa com o jornalista Bira Vidal realizada em 23 de agosto, que traduzo aqui como uma proposta de reflexão da coluna da semana passada. Para os que ainda não sabem, coordeno o CuS, Grupo de Pesquisa em Cultura e Sociedade da UFBA.
Primeiro Ato
Bira Vidal: Além de trabalhar com pesquisa, o CUS atua de que forma? Qual é o alcance que o CUS tem fora da UFBa?
Thürler: O CuS, em sua pequena trajetória já alcançou significativa projeção nacional, haja vista, seus coordenadores comporem diretoria da ABEH (Associação Brasileira de Estudos da Homocultura) e terem voz nas reuniões da SNDH (Secretaria Nacional de Direitos Humanos). Isso mostra que a pesquisa acadêmica desenvolvida cá no grupo ganhou um dimensão política que talvez não esperássemos, mas estamos gostando de como Academia e Política vem se misturando.
Bira Vidal: O grupo analisa de que forma a exposição da imagem do homossexual na cultura?
Thürler: Nossa principal linha de investigação é a Teoria Queer, isso significa que nos interessa analisar os processos de normatização cultural, em especial, as normas de gênero e sexualidade, o que chamamos de heteronormatividade. Mas trabalhamos na tentativa de desconstrução, de desestabilização dessas normas, iluminando e dando voz aos "ex-cêntricos", ou seja, aqueles com identidades - sejam elas quais forem - fora da norma, fora do centro. Não é verdade que analisamos apenas a exposição da imagem do homossexual, a bem da verdade, preferimos optar pela expressão "não-heterossexual", mas não nos limitamos a eles, aliás, todos que borram qualquer tipo de norma nos interessa, o cartunista Laerte, por exemplo, nos interessa sobremaneira quando diz que os papéis sexuais e sua dicotomia binária são invenções.
Segundo Ato
Bira Vidal: Como o CUS está dividido em relação a áreas de pesquisa? Ex: masculinidade...
Thürler: Não é exatamente uma divisão, mas um prolongamento das discussões do grande grupo, o GENI - Gênero, Narrativas e Políticas Masculinas está debruçado sobre os estudos masculinistas, que teve origem muito próxima dos estudos feministas e gays nos anos 60-70, e se preocupa em criar elementos para discutir a hegemonia masculina na cultura mundial, alimentada e incentivada pela sociedade, história, arte, comunicação, etc. As violências contra mulheres e gays, por exemplo, partem desse grupo, aliás a violência é apenas um dos tantos "delírios masculinos".
Bira Vidal: Quem forma o grupo? Alunos da UFBa de qualquer curso, professores, funcionários, etc?
Thürler: O CuS é composto por alunos de variados Cursos da UFBA, Comunicação, Ciências Políticas, Antropologia, dos Bacharelados Interdisciplinares e do Mestrado em Cultura e Sociedade, além de uma funcionária da Escola de Teatro.
Terceiro Ato
Bira Vidal: Qual foi o saldo até agora dos trabalhos do grupo?
Thürler: Existe um saldo material, quantitativo, além da ABEH e SNDH, que já citei, temos inúmeras participações em Congressos importantes no Brasil e no exterior, convites para curadoria de Seminários sobre Cultura LGBT, palestras que algumas prefeituras contatam, o Evento "Stonewall 40 + o que no Brasil" e o livro homônimo que acabou de ser lançado, a peça "o Melhor do homem", que está em sua terceira temporada e iniciará turnê nacional em outubro. Mas tem outros saldos, a chance de com isso tudo estarmos criando uma política de equidade, ajudando e contribuindo para uma sociedade mais livre e "permeável", mais saudável, portanto. E claro, formar novos pesquisadores que formarão outros tantos que continuarão lutando por liberdade.
Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.
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POR UMA PÁTRIA REDIMIDA...































Pátria Redimida, filme realizado por João Baptista Groff em 1930 é considerado um cult movie na história do cinema paranaense, tido mesmo como a principal produção de cinema do período mudo naquele período no Paraná, e um clássico do cinema documentário brasileiro.
Nele, Groff mostra a revolução de 30 protagonizada por Getulio Vargas que se inicia no Rio Grande do Sul e tem vários desdobramentos no sul, em São Paulo e Rio de Janeiro, culminando com o futuro ditador no Palácio do Catete.

Com muita criatividade e uma boa dose de humor, Groff acompanha com sua câmera as tropas que estacionaram em Curitiba, produzindo imagens raras de Vargas na capital e resolve acompanhar os soldados chegando a comprar uma farda para isso, e embarcando no trem juntamente com eles.
Se houvesse um making of, poderíamos ver algumas peripécias do cineasta, entre elas o episódio em que sua câmera é confundida com uma arma, e ele é salvo pela pronta intervenção de Assis Chateubriand, na época também repórter.

Groff, mesmo sendo um autodidata como cineasta, filma magistralmente. Para conseguir um travelling, segura a pesada câmera com as mãos e caminha ao lado dos soldados que marcham. Também coloca sua câmera no alto do último vagão para conseguir uma vista panorâmica do trem em movimento.

O filme tem aproximadamente 45 minutos, e inicia com uma escultura encomendada pelo autor, se desenvolve com textos irônicos e gráficos de animação sobre a batalha que ele mesmo desenha, e agrega imagens de outros estados, inclusive do governador João Pessoa ainda vivo, usando montagens e outros truques.

O filme original foi doado à Cinemateca Brasileira, que acabou incendiado, e ainda outra cópia em poder da família também teve o mesmo destino, devido ao material altamente combustível de que eram feitas as películas.
Finalmente a Cinemateca de Curitiba fez um trabalho de recuperação, com doações de amigos e familiares, conseguindo restituir o roteiro original, e tem em seu acervo provavelmente a única cópia do filme, extremamente bem preservado.

Celina Alvetti ressalta a importância do filme “por seu realismo, pela proposta e pelo uso de recursos como a animação e procedimentos jornalísticos, com imagens e entrevistas com os combatentes”.
Em 1942, em plena segunda guerra, Groff é preso por ser considerado simpatizante do Eixo e espião da Alemanha. Esse fato, o leva a desistir do cinema e abandonar definitivamente as filmagens.

João Baptista Groff (1898- 1970) é considerado um multi-artista, porque sua trajetória não se resume ao cinema, mas se inicia na fotografia aos 15 anos. Recebeu premiações no Salão Nacional de Fotografia no Rio de Janeiro, e no Salão de Fotografia de Paris em 1927. Como fotógrafo, registrou o cotidiano da cidade de Curitiba, seu desenvolvimento urbano entre as décadas de 20 e 40.

Editou também uma belíssima revista ilustrada no final dos anos 20, e terminou seus dias na pintura onde produziu cerca de 600 quadros pertencentes ao acervo familiar. Além de produzir textos como jornalista, foi também militante a favor da ecologia em uma época em que isso não era moda.

Ficha Técnica:
Filme: Por uma Pátria Redimida
Categoria: Curta-metragem; silencioso; não-ficção.
Material original: 35mm, preto e branco; 45 minutos; 16q
Data de produção: 1930
País: Brasil
Cidade: Curitiba- Pr.
Data e local de lançamento: 12.07.1930 no Teatro Palácio




Pátria Redimida – Disponível em:


















Parte 06 - Final [http://www.orkut.com/Interstitial?u=http://www.youtube.com/watch?v%3DcC_7SvWwIUU&t=AH2jg1zdhcccLtxEK4kl-M4wG7wMbr2O_xVF6BHPOhTLLepkcou6qJpV89btnA5JBcIcq4CgFTjFWubyjMexdr4Egu0z4qwcLwAAAAAAAAAA]


Referências:
Alvetti, Celina; Kano Clara Satiko. Pátria Redimida: Um filme revolucionário.
Santos, Francisco Alves. Dicionário do Cinema do Paraná.
Stecz, Solange (coord.).Referências sobre filmagens e exibições cinematográficas em Curitiba: (1892-1907)


















Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR, Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual. Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.



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Sobre a transgressão da representação: fotografia de Auschwitz




Ao se observar registros fotográficos e imagéticos sobre a II Guerra Mundial, em especial fotografias referentes ao holocausto, questiona-se o status de veracidade de tal registro analisando a relação com a(s) memória(s) relacionada(s) a tais acontecimentos. Porém, não há como negar a convergência entre os dois conceitos: fotografia e memória.  Entende-se que, embora circulem sob diferentes teias de representações, a primeira que guarda o potencial de fixar o passado, a segunda, envolvida no véu subjetivo e impreciso da lembrança, representada em sua dimensão nebulosa e afetiva, têm mais semelhanças do que poderia se imaginar.



Essa foto registra (acima) a entrada do campo de concentração de Auschwitz, hoje museu.  Também é uma foto muito divulgada e sua força imagética está principalmente na inscrição em ferro “Arbeit macht frei”- que traduzida significa, “Só o trabalho liberta”.
Registra-se a circulação de visitantes em um gélido dia. Fica-se evidente o contraste entre o branco da neve e o negro da placa e da roupa das pessoas: a morte, aqui, encontra sua representação no frio, na ordem gravada em ferro e no isolamento. Estima-se que um milhão de pessoas – judeus, ciganos entre outros - foi morta nesse campo.
A inscrição é bastante contraditória, pois se refere à liberdade, palavra com uma expressiva força semântica em países ocidentais principalmente os marcados pelos ideais da revolução francesa – igualdade, fraternidade e liberdade. Ainda que associada ao trabalho fica o estranhamento de seu uso para descrever um local onde milhares de pessoas foram prisioneiras, sofreram toda a sorte de experiências médicas antiéticas e foram mortas em câmaras de gás, além de serem também vítimas de trabalho escravo compulsório. Utilizando o conceito de representação analisado por Chartier, a contradição entre representação e referente da palavra liberdade se faz, nesse caso por transgressão, ou seja, a liberdade representa de forma desviante o que aconteceu no campo. São amplamente conhecidas as atrocidades lá perpetradas de modo que existe atualmente o uso da palavra Auschwitz como sinônimo de extermínio. Assim, no caso a inscrição “só o trabalho liberta” representa nesse caso o seu oposto, que a liberdade, nesse caso, é sinônimo de confinamento, exclusão e morte.
Chartier , utilizando os pressupostos de Port Royal, identifica duas condições necessárias para que a relação entre imagem e objeto ausente (representação e referente) seja inteligível: o conhecimento do signo como signo, no seu desvio em relação à coisa significada, e a existência de convenções regulando a relação do signo com a coisa. Nesse caso em específico, as duas condições são dadas: há uma considerável circulação de signos sobre o que seria a realidade do holocausto e a representação da liberdade associada a isso aparece em um sentido irônico, o que causa o choque e explica em parte a grande difusão de tal imagem atualmente.


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RADAR CONTEMPORARTES






Amanhã começa o I Simpósio de Pós Graduandos em História Social da Universidade Severino Sombra (USS-RJ). Estarei presente e coordenarei uma mesa junto ao meu orientando André Mattos.

Mais informações

Mesa XV - 24 e 25/08 - 15h
Memória e identidades nos espaços urbanos

Coordenador: André Mattos (USS)
Debatedora: Profª Dra. Ana Maria Dietrich (UFABC)

O presente Simpósio objetiva fomentar análises historiográficas numa perspectiva interdisciplinar, que reflitam os processos e estratégias de apropriação e utilização dos espaços urbanos e seus reflexos na formação e afirmação da identidade dos indivíduos em seus grupos de relação. Os espaços urbanos neste são entendidos como lugares de lembrança relacionados a todas as representações a estes associadas, sejam pelas histórias de vidas, sejam pelos monumentos arquitetônicos; entendendo memória como o conjunto de lembranças preservadas e esquecidas de um indivíduo ou de uma coletividade, estando em um processo contínuo de construção e reconstrução. Fatos e paisagens, espaços urbanos de relação, desaparecem no esquecimento (transformados, substituídos) quando não existe interesse em rememorá-los por perda de valor para determinado grupo ou coletividade.
Desta maneira estarão em discussão as relações de poder e resistência causadora de embates sociais diversos. “A reflexão acerca dos conflitos sociais... tem no exame da construção e reconstrução da memória social e da identidade um suporte extremamente valioso”, tendo, tanto a memória quanto a identidade, papeis fundamentais, entendidos ao mesmo tempo, como “local de controle e resistência, palco de práticas de homogeneização e lugar de afirmação da diferença... Assim, pensar as formas de elaboração da memória e dos processos identitários – [nos espaços urbanos de relação] é lançar luz, de uma perspectiva particular, sobre o conflito social, seus discursos e suas práticas, construídos social e historicamente”.

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Aproveitando a oportunidade de estar em Vassouras, ministrarei uma oficina gratuita sobre Oralidades.
Mais informações abaixo:





Sobre extremismos e afins...
veja mais em minha coluna no Jornal O Dia de Jaú (SP)






Ana Maria Dietrich é professora adjuntado Bacharelado de Ciências e Humanidades da Universidade Federal do ABC e coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural junto a Rodrigo Machado.



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Poéticas de Elisa e Rubem!!!



Sabe aquela florzinha rosa que dá conta de nascer entre as pedras, de nos fazer sorrir e chorar diante de sua incontrolável, simples, singela e humilde beleza? Sabe aquela Maria sem Vergonha que passamos sem percebê-las, mas podemos nos inundar diante de sua resistente e esparramada maneira de existir?
por: Aline SerzeVilaça
Sabe aquela pequenina florzinha rosinha que se faz iluminar e encantar um cinza dia de inverno, mas que brota assim como mais milhares de suas parentes nos belos dias de primavera?
Pois é, da singeleza da Maria declamou com paixão, alma, corpo, espírito, carinho e bela voz a poderosa Elisa Lucinda, diante, para, na carinhosa e generosa presença do gigante gentil também poeta, Rubem Alves.
Tal saboroso encontro foi nomeado como "A Poesia do Encontro" publicado pela editora Papirus 7 Mares, e é um delicioso amontoado de páginas da transcrição de uma necessária conversa- entrevista- bate papo entre a bela poetisa, também atriz, cantora capixaba Elisa Lucinda, e o teólogo, educador, psicanalista, o mineiro escritor, Rubem Alves. Conversa esta que resultou em um importante sincero e também singelo livro que tal qual a florzinha rosadinha também não tem vergonha de nascer em pedras, ops, momentos como este em que sobrevivemos onde é mais corriqueiro ouvir sobre tiros, bombas, terremotos, ocupações, do que ouvir falar sobre flores, ainda mais flores tão pequeninas... Eis aqui uma dica de um livro e tanto.
Confesso que naqueles momentos de devorar as páginas senti que estava ouvindo mais pessoas falando a mesma língua que eu. Senti aquela satisfação quase pecadora de tão orgulhosa de piamente acreditar naquele discurso. O que me ocorreu foi aquela conhecida, mas um pouco ausente, insônia criativa de ansiedade produtiva, misturada com uma picante euforia de quem ganha presente novo, o brinquedo novo. O livro tirou a tranqüilidade daquela noite que parecia apenas mais uma noite calma e alegre de férias por começar um escapismo novo.
Trata- se um documento feito manifesto, a proteger-se atrás de uma singela, feito flor, aparência mascarada de bate- papo casual e inofensivo. Trata-se de um documento (leia isso aos berros) em favor da poesia, da palavra, da EDUCAÇÃO, da ARTE EDUCAÇÃO. A favor do ser humano humano, do homem- pessoa- animal sensível, racional (para o bem), inteligente, que busca, merece e terá educação de qualidade, educadores envolvidos, disponíveis, dispostos e apaixonados, que terá um caminho educacional que o proporcione maturidade emocional, conhecimento técnico, sabedoria empírica.
É um manifesto a favor do cidadão, do sujeito ativo, do educando longe das sombras do a-luno desprovido de luz a mercê da des-educação autoritária- bancária alucinada.
Eis aqui a dica de um livro que inesperadamente caiu em minhas mãos feito a florzinha, um delicioso livro que nos faz lembrar que não lutamos sozinhos, um ótimo livro que foi, também, me entregue pelo inesperado que também se protege mascarando- se de pedra...
Sem dizer que ainda vem com um DVD com Lucinda e Rubem declamando, declamando, declamando, emocionando...
"Estupidamente bela
a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa
soca meu peito esta manhã!
estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter a consciência desse todo,
naquele instante não nos falta nada..." *
Atenciosamente,
Aline SerzeVilaça
* Elisa Lucinda, "A fúria da beleza" in "A Poesia do Encontro" p. 62-63
Fotos: papiruseditora.blogspot.com





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A Poesia Musical de Alice Ruiz.

A Poesia de Alice Ruiz!


Nesta semana trouxemos à nossa coluna de poesia comovida um pouco da poesia da poeta e compositora Alice Ruiz, uma grande dama da literatura paranaense, que tem hoje 19 livros publicados (poesia, tradução e literatura infantil) e mais de 50 músicas gravadas por parceiros e intérpretes!

Apesar de escrever poemas desde a adolescência, Alice, que foi casada com o poeta Paulo Leminski, só publicou o seu primeiro livro "Navalhanaliga" aos 34 anos e, para a felicidade de todos os amantes da bem dita boa poesia, desde então ela não deixou mais de publicar, e sua obra já lhe rendeu vários prêmios literários, incluindo o prêmio Jabuti de poesia pelos livros "Vice Versos" em 1989 e pelo livro "Dois em Um" em 2009.

A poeta, que já havia escrito artigos feministas e publicado poemas em jornais culturais, adorava escrever poemas curtos e descobriu-se uma praticante do haicai, tipo de poesia que posteriormente ela veio a estudar, traduzir e tornar-se uma especialista.

Aos 26 anos, Alice iniciou a escrever letras de músicas. Este trabalho musical lhe proporcionou felizes parcerias com compositores como Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes e Zeca Balero e lhe possibilitou lançar em 2005 o CD "Paralelas" em parceria com a cantora e compositora Alzira Espíndola. É possível que a poeta seja hoje até mais conhecida como compositora que como poeta, visto o enorme sucesso que suas letras têm alçançado no meio musical. Confiram o texto "Milágrimas", mostrado abaixo, que é considerado um verdadeiro hino da moderna mulher brasileira. Para todos uma grande leitura e uma semana bem gostosa!



O QUE JÁ DISSERAM DELA:



"ALICE RUIZ é conhecida e reconhecida por seus livros de haikai. Agora nos brinda com um de "proesias". Sai da linguagem extremamente compacta e minimalista — com que nos acostumou —, para os textos curtos, poéticos, reflexivos, mas também criativos, densos, tensos. Escritura de desdobramentos, ideia-puxa-ideia, entre lírico e filosófico, versilivremente, discurso sem narrativa, sugerindo mais do que dizendo, escrevendo sem descrever. Proesofia, proesia.", poeta Antônio Miranda, sobre o livro "Proesias".



Principais livros de Alice Ruiz:


- PROESIAS - 2010;
- JARDIM DE HAIJIN - 2010;
- NUVEM FELIZ - 2010;
- BOA COMPANHIA - 2009;
- TRÊS LINHAS - 2009;
- DOIS EM UM - 2008;
- CONVERSA DE PASSARINHOS - 2008;
- SALADA DE FRUTAS - 2008;
- YUUKA - 2004;
- POESIA PRA TOCAR NO RÁDIO - 1999;
- HAIKAIS - 1998;
- DESORIENTAIS - 1996;
- VICE VERSOS - 1988;
- NUVEM FELIZ - 1986;
- RIMAGENS - 1985;
- HAI-TROPIKAI - 1985;
- PELOS PÊLOS - 1984;
- PAIXÃO XAMA PAIXÃO - 1983;
- NAVALHANALIGA - 1980.




Alguns Poemas de Alice Ruiz:


sou uma moça polida
levando

uma vida lascada


cada instante
pinta um grilo
por cima
da minha sacada


Alice Ruiz, In "Navalha na Liga", edição ZAP, 1980.


***

já estou daquele jeito
que não tem mais concerto

ou levo você pra cama

ou desperto


Alice Ruiz, in "Pelos Pêlos", série "Cantadas Literárias", editora Brasiliense, 1984.


***

ouvindo Quintana
minha alma assovia

e chupa cana



Alice Ruiz, In: "Vice Versos", série "Cantadas Literárias", editora Brasiliense, 1988.


***

primeira estrela Vésper
véspera do que se espera
vira primavera


Alice Ruiz, In: "desorientais", Editora Iluminuras, 1996.


***

Devia ser proibido

devia ser proibido

uma saudade tão má

de uma pessoa tão boa

falar, gritar, reclamar

se a nossa voz não ecoa
dizer não vou mais voltar

sumir pelo mundo afora

alguém com tudo pra dar

tirar o seu corpo fora

devia ser proibido estar

do lado de cá

enquanto a lembrança voa

reviver, ter que lembrar

e calar por mais que doa

chorar, não mais respirar (ar)

dizer adeus, ir embora
você partir e ficar

pra outra vida, outra hora

devia ser proibido...


Letra de música de Alice Ruiz e Itamar Assumpção, in: "Poesia para tocar no rádio", editora Blocos, 1999.


***

cigarras em algazarra
estalo nas folhas secas

o silêncio se instala



Alice Ruiz, in "Iuuka", Editora AMEOPoema, 2004.


***

mesmo que eu morra
dessa morte disforme
o esquecimento

não lamento


viver ou morrer

é o de menos

a vida inteira

pode ser

qualquer momento

ser feliz ou não

questão de talento


quanto ao resto
este poema

que não fiz

fica ao vento

mãos mais hábeis
inventem


Alice Ruiz, In: "Dois em Um", editora Iluminuras, 2008.


***

rede ao vento
se torce de saudade
sem você dentro


Alice Ruiz, na coletânea: "Boa Companhia: Haicai", editora Companhia de Letras, 2009.




Duas Letras de Música de Alice Ruiz:



* Parcerias com o músico Itamar Assumpção.



MILÁGRIMAS


Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre
Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura

Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre



***

VÊ SE ME ESQUECE



Já que você não aparece,
venho por meio desta
devolver teu faroeste,
o teu papel de seda,
a tua meia bege,
tome também teu book,
leve teu ultraleve
carteira de saúde,
tua receita de quibe,
de quiabo, de quibebe,
do diabo que te carregue,
te carregue, te carregue
teu truque sujo, teu hálito,
teu flerte, tua prancha de surf,
tua idéia sem verve,
que nada disso me serve
Já que você não merece,
devolva minhas preces,
meu canto, meu amor,
meu tempo, por favor,
e minha alegria que,
naquele dia,
só te emprestei por uns dias
e é tudo que me pertence
PS: Já que você foi embora por que não desaparece?


***


Para Ler mais:

Site oficial da poeta e compositora Alice Ruiz: http://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/
Blog de poemas da autora: http://aliceruiz.com.br/


***


Ilustrações: 1- foto da poeta Alice Ruiz; 2- foto da capa do livro "Dois em Um", de Alice Ruiz; 3- foto da cantora Alzira Espíndola com a poeta Alice Ruiz.


***
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.
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Quem foi Paulo Prado? Por Bruna Araújo Cunha



Paulo Prado nasceu em São Paulo, no ano de 1869, era filho de uma das famílias aristocráticas mais importantes de São Paulo, e se tornou “o homem mais rico da cidade, do estado e do país. Além de possuir as maiores fazendas do estado, ele e sua família controlavam uma estrada de ferro, possuíam uma firma de comissários de café, um banco, uma exportadora, estâncias de gado que supria sua própria fábrica de carne enlatada, uma indústria de vidro, uma fábrica de papel e uma indústria pioneira de processamento de juta” (SEVCENKO, 1992, p. 290).
           
          Mas, muito mais que um grande empreendedor, Paulo Prado era deslumbrado pela Literatura. Esse encanto talvez possa ter se originado da influência de seu tio Eduardo (que ao final da vida dedicou-se à Literatura, tornando-se amigo de Eça de Queirós e outros autores renomados).


Apesar de ser uma das figuras menos conhecidas do Modernismo brasileiro, Paulo Prado foi o principal idealizador da Semana de Arte Moderna, tendo em vista que ele a apoiou não só materialmente como espiritualmente, pois sempre foi sensibilizado pelos problemas étnicos e sociais do homem brasileiro.
           
Foi então pelo seu gosto literário que Paulo Prado começou a freqüentar certos ambientes nos quais ia criando novas amizades: Graça Aranha, Villa-Lobos, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Blaise Cendrars.

            No ano de 1919 Paulo Prado ajudou, com disposição inigualável, a promover a “Exposição de Pintura e Esculturas Francesas”, no hall do Teatro Municipal de São Paulo, e a montagem da peça “O Contratador de diamantes” de Afonso Arinos. Em 1921, em um dos serões de Paulo, um pequeno grupo de intelectuais resolveu se juntar em prol da arte moderna; que ia sendo cada vez mais amparada pelos círculos dominantes de São Paulo. E, em 1922 foi inaugurado oficialmente a Semana de Arte Moderna, que contou com muitas ajudas, mas nenhuma delas era comparável ao empenho de Paulo Prado que, como disse Nicolau Sevcenko, “introduziria qualquer cavalo de Tróia na cidade” para que a Semana fosse realizada.

            Depois disso, Paulo Prado começou a promover a emigração de alguns artistas modernistas à Paris, como Brecheret, Anita Malftti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Villa Lobos, como patrocinou também a imigração do artista Blaise Cendrars ao Brasil.
           
          Foi através das viagens de Blaise, feitas por todo o Brasil, e de seu encantamento pela nação que se iniciou a “redescoberta-do-Brasil” com o intuito de conhecer de fato as raízes históricas, étnicas e culturais do país. Como resultado dessa viagem temos os novos estímulos e impressões que inspiraram a temática nacional. Um exemplo é o Movimento Pau-brasil, de Oswald de Andrade, pois como disse o próprio Paulo Prado “a poesia pau-brasil é ovo de Colombo”.
           
         Paulo Prado participou da fundação e do controle de revistas modernistas, publicou alguns textos em importantes periódicos e escreveu dois livros sobre a história de São Paulo e a formação do povo brasileiro intitulados de Paulística, história de São Paulo (1925) e de Retrato do Brasil, ensaio sobre a tristeza brasileira (1928).           
       
Dessa forma, não é possível considerar que Paulo Prado foi um simples mediador do movimento Modernista pelo fato de não ter produzido nenhum texto literário, tendo contribuído apenas como “patrocinador”, como a maioria o denomina. Mas, devemos reconhecer, assim como Mário de Andrade, que “sem ser artista ou poeta, sem ser o propositor central dos padrões renovadores de expressão – embora fosse conhecedor e opinasse a respeito – Paulo Prado foi justamente quem deu expressão social ao Modernismo, o que significa dizer que deu o sentido de movimento às experiências até então isoladas dos modernistas”. Todavia ele poderia utilizar sua privilegiada condição social e financeira para se divertir com mulheres e outras futilidades (como fazem a maior parte das pessoas pertencentes à classe alta hoje em dia), mas como o próprio Paulo Prado confessou ele “preferia viajar para ouvir os mestres, como o escritor português Eça de Queirós”.

Referências Bibliográficas:
BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas. Dimensões de Macunaíma: filosofia, gênero e época. Tese de Mestrado. Departamento de Teoria Literária/IEL/UNICAMP, 1987.
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.











Bruna Araújo Cunha é graduanda em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. Atualmente estuda as poesias de Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade.


A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.



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Algumas considerações sobre a poética de Fernando Pessoa, através de "Isto"



Fernando Pessoa é conhecido como o poeta do pensamento. A emoção para ele nada mais é do que algo pensado, destituída de si própria. O próprio Pessoa declara: “O que em mim sente ‘stá pensando”. Isso porque de acordo com Moisés (1998) o grau da poesia de Pessoa é aquele em que o poeta, por causa da sua alta intelectualidade e do seu valor imaginativo, entra em processo de despersonalização, processo em que ele passa a “viver os estados da alma que não tem diretamente” (MOISES, 1998, p.21).

“Pessoa não consegue render-se à emoção pura, destituída de pensamento (...) o pensamento da emoção, como se experimentá-la consistisse em detectar as sombras de um corpo que desvelasse a medida em que vencêssemos a obscuridade que projeta e o que encobre” (MOISES, 1998, p.19).

Para ele, as sensações devem ser valorizadas e sentidas, mesmo que seja um “falso sentimento”, um sentimento ou sensação que ele procura imaginar.

“Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação”

Este fragmento do poema “Isto”, nos parece uma resposta a uma crítica sofrida pelo autor, crítica esta em que dizem que ele finge e mente tudo que escreve. Ao dizer que “Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação”, Pessoa postula que, ao escrever, ele não está mentindo, que seu sentimento provém da imaginação. Ele somente pensa em determinadas situações que não viveu ou que não pode viver em detrimento de outras e busca através do pensamento senti-las. O pensamento já é o bastante para que viver todas as situações que desejar.
Nos cinco versos posteriores o autor diz:

“Tudo  que sonho ou passo,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda”

Essa coisa linda a que Pessoa se refere nada mais é que a consequência de sua imaginação, a transfiguração da arte que ele opera através da imaginação. Ele, ao comparar o terraço com o que sonha ou passa, simboliza a realidade bela e exuberante que se esconde por trás das coisas que nunca imaginamos. Não se imagina que atrás de uma coisa insignificante possa haver realidades de um mundo maior. O poeta parece nos oferecer a ideia de que em toda sua imaginação está contida a essência da poesia do pensamento, a busca através do pensamento de algo maior, que pode estar contido em algum lugar inesperado. A impressão que temos é a de que o poeta inventa tudo: a emoção, o pensamento, os objetos que relata; mas no fundo, tudo o que ele relata nada mais é do que um fingir, até para si próprio; fingir emoções e sensações para que vivê-las em seus pensamentos.

“ Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
livre do meu enleio,
sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Ao dizer que escreve “em meio do que está ao pé”, ele parece nos dizer que escreve através de coisas, de sentimentos que não se pode alcançar facilmente, essas coisas que não estão ao pé são os próprios pensamentos, a própria poesia do autor que é desprovida de pensamentos e de sensações pelas quais ele já tenha passado, ele se concentra num mundo totalmente intelectualizado, quase impossível  de ser alcançado.

 Ao dizer “Sentir? Sinta quem lê!”, podemos notar que o autor está a dar a resposta, de forma irônica, em relação ao primeiro parágrafo em que diz: “Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo”. Para ele, não importa o sentir, que sinta então o leitor apreciador da sua poesia, apreciador do sentimento expresso nela, é o único que poderá sentir o texto, mesmo que a finalidade deste não seja a de ser sentido.

“O próprio poeta diz não lhe interessar mais o sentir.” Quando ele começa a pensar, o sentimento se esvai e o que resta a ele é somente se dividir, multiplicar as possibilidades do pensar a emoção. Com essa destituição do sentir o poeta perdeu não só a emoção diante das coisas, mas a própria identidade, talvez, por causa disso, nunca descobriremos o que pensava ou se existia um verdadeiro Fernando Pessoa (MOISES, 1998, p.23- 24).

 Pessoa, em sua poesia, rejeita o sentimentalismo, esse fato fez com que houvesse uma revolução em toda poesia portuguesa, principalmente pelo fato de o poeta entrar em plena despersonalização, não só a sentir, mas também vivendo os estados da alma que não possui diretamente. Ele faculta a seu texto expor diretamente o que desejar, suas ideias provêm da imaginação, que faz com que seja extremamente criativo (MOISES, 1998­­).

Referências:
MOISÉS, Massaud. .A Literatura Portuguesa. 19 Ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p.235 – 254.
 Isto. In: PESSOA, Fernando. Obra poética: volume único. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 165.

Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.
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