Quanto à Liberdade

    




Olá, caros leitores!

Iniciamos hoje na Coluna Escritos Contemporâneos. Apresentaremos por aqui os textos resultantes de uma parceria intelectual, teórica e emocional, de um encontro fantástico de ideias e visões de mundo, que se iniciou a algum tempo e que agora recebe um espaço próprio como forma de  sua expressão.

Inspiração e reflexão à todos!

Adriano Almeida e Renata Cordeiro.



Quanto à Liberdade


Renata Cordeiro & Adriano de Almeida


     Eu tinha medo de me dizer artista e era pra não cair na vala comum que é se acreditar demais ou, pior, condenar-se a uma santidade pós-moderna que inversamente acredita-se de menos, e tem como objetivo o idêntico simular de uma espécie de nirvana que é paradoxalmente materialista. 
      Mas acontece que, de alguma forma, eu também percebia que não se acreditar era estranhamente comum aos homens que se autovalorizam santos e que são falsos. Então, parecia que era como se não ser comum, sem questionar o fato, ganhasse status superior e o artista passasse a ser divino por não ser comum, sendo, portanto, pela característica incomum, um condenado à mesma santidade pós-moderna que por si só já é falsa. 


     Aí eu estava pensando, por estes dias, que preciso ver a vida mais colorida e foi quando eu ouvi uma menina dizer que ainda bem ela era artista. E, acontecendo que o desenho dela nem era tão bom, eu tive um clic que foi alguma coisa daquelas que antes eu não tinha porque era criança e aquele clic não vinha. Mas, então, ele veio e eu entendi que estava lá na fala daquela menina a resolução de uma questão que eu ainda não tinha resolvida pra mim.  E a resolução me dizia que, na verdade, ser artista ainda era estar feliz com o poder olhar o quadro molhado, recém lambrecado de tinta, ou o desenho no papel de caderno, e dizer para si e para os outros: ainda bem que eu sou artista. Afinal de contas, no fim do dia, os não-artistas voltam pra casa, para as suas poltronas e para as suas novelas, e para os noticiários ou cursos on-lines. Tudo o que sabem fazer, ou nem sabem, é pensar que amanhã precisam estar descansados para o trabalho. 

                          
     No caso do artista, mesmo que ninguém goste do desenho (também servem músicas, bordados, escritos e afins), mesmo que ninguém mais saiba que aquilo é arte, mesmo que a obra não seja muito boa, mesmo que não se ganhe dinheiro ou reconhecimento e que as dívidas se amontoem no topo da geladeira, ao invés de voltar pra casa para simplesmente repor as forças necessárias a um trabalho alienado, o artista vai desenhar, cantar, tocar, bordar ou escrever qualquer coisa que talvez não seja linda, mas que é sua. Isto tudo é só para, depois de fazer, olhar com satisfação para a coisa e dizer: ainda bem que eu sou artista. E, sendo assim, da condição de o condenado da história, o artista passa a dono de sua mais-valia. Ao invés de mero sujeito de uma auto-valoração ridícula, o artista é livre.



     Adriano de Almeida é pesquisador na área de cultura, imaginário e simbologia do espaço. Mineiro, tem se dedicado a escrever poemas, crônicas e contos. Seus escritos, de caráter introspectivo, retratam, quase sempre, questões da existencialidade humana.

     Renata Cordeiro é uma historiadora-musicista. Cantora, compositora, mineira. Como escritora tem percorrido os caminhos da crônica, da poesia e das narrativas em prosa. Suas produções se fazem numa simbiose entre elementos que vão da música aos profundos insights históricos.
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Segall e suas influências no modernismo brasileiro


Hoje, na Coluna AS HORAS, Leandro Daniel fala sobre a chegada de Segall a São Paulo e como foi seu envolvimento com os modernistas. 


A chegada de Segall a São Paulo deu-se em no final do ano de 1923. Encontra a cidade recém saída da grande Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo. Entretanto, desde antes da Semana já é perceptível uma tendência de  pequena parte das artes plásticas a caminhar contra o academicismo em busca de uma modernidade. Na pintura, a última fase de Almeida Júnior foi ressaltada posteriormente por Mário de Andrade como um momento no qual já se observava  um  “espírito brasileiro”. Aracy Amaral, e seu livro “Artes Plásticas na Semana de 22”,  faz menção a um escrito de Mário, no qual este diz que o fator principal que torna essa fase de Almeida Júnior “abrasileirada” são as cores utilizadas pelo pintor, que segundo ele figuram como “...cor da terra e da pele queimada do caipira,..” (Amaral, 1979, pág. 34). A busca por uma construção do nacional na pintura solta alguns lampejos, e as cores que lembram as paisagens brasileiras já são vistas como um a priori nesse contexto. Na década de 1910, ocorrem as exposições de Lasar Segall e Anita Malffati, em 1913 e 17, respectivamente.   A proximidade temporal entre as duas exposições e as influências modernistas de ambos os pintores alimentaram a famosa querela que, no contexto da revisão do modernismo no Brasil, se assentou em saber qual delas foi a primeira exposição modernista no Brasil. Os quadros de Segall expostos em são Paulo e Campinas eram essencialmente impressionistas ou pós-impressionistas. Claudia Valadão de Matos faz uma revisão da datação de alguns quadros de Segall desse período, mostrando que seu engajamento com o Expressionismo foi mais tardio do que até então a crítica pensava. (Valadão, 2000). A mesma autora analisa a recepção da crítica com relação às exposições de Segall em 1913 (Valadão, 1997). Ela observa que as críticas dos periódicos de São Paulo se interessavam pela exposição menos como uma manifestação artística e mais como um evento público protagonizado por um estrangeiro. Quando buscam analisar a pintura em si, eles esbarram em um descompasso entre as obras expostas e o padrão acadêmico vigente em São Paulo: “Percebem então um certo exagero em seu entusiasmo pelo impressionismo, causando, aos olhos do crítico, “vários defeitos”. Esse entusiasmo, o “temperamento impetuoso do artista” é atribuído então a sua juventude e, otimisticamente, o crítico considera-o passageiro, confiando que será percebido e corrigido pelo artista com o tempo”  (Valadão, 1997, pág. 23).  A exposição em Campinas, diferentemente, encontrou uma crítica mais bem informada sobre os movimentos artísticos da Europa. Ela também era mais descritiva e elaborada, com uma percepção mais fina sobre as obras. Foi um crítico dessa ocasião que intitulou seu texto “Um pintor de almas”, se referindo à capacidade de Segall de ser tão “intimista e universal” (Valadão, 1997, 31). Mesmo essas críticas mais afeitas a uma arte não-acadêmica não conseguiram levantar uma repercussão na produção de arte. A exposição de Anita, ocorrida em São Paulo, em 1917, foi resultado de uma temporada de estadia na Alemanha. Aracy Amaral, citando os estudos de Mário Silva Brito, diz que Anita realmente foi “o estopim do modernismo”. Posição também adotada por Mário de Andrade, que sempre insistiu que Anita foi a “despertadora do movimento moderno” (Amaral, 1979, pág. 78). Anita também foi importante, segundo a autora, pois os duros ataques contra suas obras, encabeçados por Monteiro Lobato, ajudaram a reunir Oswald e Mário de Andrade na defesa da artista. O interessante de todo esse embate é perceber como ainda eram escassas as manifestações de algo que não seguisse as normas da academia, se limitando essencialmente a duas exposições em uma década. As poucas vozes dissonantes, como Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, iniciam uma cruzada contra os academicismos, que permaneciam firmes. A Vila Kirial, patrocinada por Freitas Valle, figurava como o local de encontro de poetas, pintores e diversas outras figuras afins.
A “Semana de Arte de 1922” veio então como uma tentativa de agitar o cenário das artes em São Paulo. Amaral ressalta o sentido destruidor da Semana, que buscava uma nova concepção de arte, fazendo-se necessário, para isso, negar o passadismo (Amaral, 1979, pág. 100).  Para isso buscavam as vanguardas européias como meio de expressão, sem esquecer o nacional como um motivo. Deu-se uma configuração intitulada de tradicionalismo-internacionalismo por Aracy Amaral, na qual buscava-se uma representação do nacional (já mostrado pelo “caipira” em São Paulo) utilizando técnicas provenientes dos movimentos artísticos europeus (os “ismos”). Entretanto a São Paulo era ainda impregnada pela economia cafeeira, dando à cidade mais uma aspecto rural do que industrial. A ambigüidade que enfrentavam os artistas modernistas era  justamente a necessidade de importar a arte atual européia (especificamente Paris) para se desvencilhar do academicismo que dominava, ao mesmo tempo que almejavam a construção do nacional em suas obras. As pinturas de Tarsila do Amaral, como “A Negra” e “A Caipirinha”, ambas de 1923, já expressam essa confluência de internacionalismo e nacionalismo, utilizando técnicas cubistas para expressar motivos brasileiros.

Saída de Segall da Alemanha rumo ao Brasil

Segall muda-se para Berlim em 1922. Esse teria sido um dos principais fatores causadores de sua mudança para o Brasil, no final do ano de 23. Claudia Valadão de Mattos estudou o período alemão de Segall mais detalhadamente, acompanhando sua atividade artística. A ida para Berlim colocou Segall em contato mais direto com as novas tendências “neu-sachlin”: “A convicção de que o judeu teria a tendência natural à expressão de seu mundo interior era de fato bastante incompatível com a busca de “distanciamento” e “objetividade” da nova estética” (Valadão, 2000, pág. 170). Apesar de ter absorvido algumas características da “nova objetividade”, Segall parecia não abrir mão  de sua pintura expressionista.  Entretanto Segall também não parecia afeito à idéia de juntar-se aos judeus orientais em tendências nacionalistas judaicas. Valadão expõe esse fato a partir do contato de Segall com um pintor polonês Jankel Adler, que também era judeu. Este teria escrito uma carta a Segall, quase o convocando para realização conjunta de uma exposição apenas com “judeus orientais”. A autora interpreta a não resposta de Segall e um ponto de interrogação colocada na carta como uma recusa do artista perante tal idéia. No período imediatamente anterior à vinda ao Brasil percebe-se nos quadros de Segall uma crescente geometrização e abstração da composição (Valadão, 2000, p. 175). As temáticas dos quadros, que até então seguia suas tendências expressionistas (um sentido social-universal a partir do judeu) se alterna nesse último ano alemão, passando se temas sociais a judaicos ou sem conteúdo específico. Entretanto, se manteve sua tendência de uma arte que usasse uma linguagem universalmente compreensível, descartando o aprisionamnto ao tema judaico. Com relação a essa questão, Valadão diz: “Essa sua tentativa incansável de produzir obras que fossem ao mesmo tempo especificamente judaicas sem recorrer à tradição judaica propriamente dita, ou seja, sua crença na utopia de uma arte ao mesmo tempo particular e universal, em um momento de florescimento nacionalista, tanto entre artistas alemães, quanto entre os judeus, é certamente o que imprime à sua obra um caráter único.” (Valadão, 2000, p. 179). Esse deslocamento de Segall na configuração da arte alemã, possivelmete associada com uma alta da inflação nesse país (fato lembrado por Valadão) levaram Segall a procurar o Brasil como um local de moradia, pelo menos temporária.

Encontro com o modernismo brasileiro

Segall chegou ao Brasil com Margarete, sua mulher, em 1923. Eles se instalaram por um período na casa dos irmãos de Segall, Luba e Oscar Siegel, que já moravam no Brasil. Logo depois mudaram para uma casinha próxima (Beccari, 1979). Segall já era esperado, e o principal anfitrião era Mário de Andrade, que já conhecia o pintor russo. Mário não esconde seu entusiasmo com relação à chegada do pintor ao país. Mario foi quem possibilitou que os outros modernistas brasileiros conhecessem Segall antes mesmo de sua chegada ao Brasil. E quando chegou, Lasar foi reconhecido pelos modernistas. Em carta a seu amigo Will Grohman, o pintor demonstra que os artistas que encontrou estão informados sobre a arte recente na Europa, dizendo que “... possuem tudo o que apareceu nesse período em livros e revistas” (Beccari, 1979). Segall começa então a frequentar a Vila Kyrial. Ele também recebe a incumbência de decorar o Baile Futurista do Automóvel Clube, em 23, e o Pavilhão Modernista de D. Olívia Guedes Penteado, em 24.  Logo, em março do mesmo ano, o pintor realiza a sua exposição com óleos, desenhos e litografias feitos entre 1908 e 1911 e óleos, aquarelas e gravuras feitos entre 1911e 1923, além dos álbuns de gravuras “Bubu”, “Die Sanfte” e “Recordações de Vilna” (Beccari, 1979). Em todas as participações de Segall no cenário artístico brasileiro desse período, Mario estava presente analisando cuidadosa e positivamente a obra do pintor. Claudia Valadão de Matos se detém sobre esse período de monopólio crítico de Mario sobre Segall, no qual ele exerce simultaneamente à sua liderança no modernismo paulista. Valadão diz: “Segall veio como de encontro às buscas de renovação estética de Mário de Andrade nesse primeiro momento do modernismo, tornando-se quase um modelo. As considerações do escritor sobre o artista foram, como veremos, uma reflexão de Mário de Andrade sobre o destino da arte moderna em geral.” (Valadão, 1997, p. 44). Do lado de Segall, parecia convir o ambiente encontrado no Brasil, visto sua saída conflituosa da Alemanha e o prestígio imediato que encontrou por aqui com os modernistas. Ele foi inserido no contexto artístico como um exemplo a ser seguido, além de trazer a contribuição das vanguardas alemãs, mais justamente do expressionismo. Pode ser identificado um ponto de encontro entre as diversas tradições e momentos artísticos: Segall, vindo de um ambiente constrangedor do cenário alemão, é absorvido, pelo modernismo paulista, liderado por Mário de Andrade, que buscava se firmar no contexto artístico contra os academicismos.

Descrição do quadro “Mulata com Criança”, de 1924


Penso que esse quadro mostra alguns fatores provenientes desse encontro de Segall com o modernismo paulista. Logo de saída, percebemos uma não preocupação do pintor com a representação do real, de uma suposta natureza. Também percebemos o cuidado de Lasar em se valer de temas nacionalistas como: os negros, a favela, plantas tropicais, cores “quentes”. Vemos uma mulher negra com um bebê no colo no primeiro plano. A composição dessas duas figuras segue o uso do círculo, triângulo e quadrado. O cabelo da mulher é composto por um quase semi-círculo, que encontra continuidade no rosto anguloso, assemelhando-se o queixo ao vértice de um triângulo. Seus ombros figuram em uma linha reta, compondo um dos lados de um losango, formado pela continuação com os braços que seguram o bebê. O ombro esquerdo da mulher segue a tendência angulosa do queixo, que aparece um pouco mais à direita. O decote do vestido da figura feminina também forma um semi-círculo quase perfeito, que encontra mais embaixo um certo paralelismo na curvatura das costas do bebê. O bebê é representado em poucos traços, sendo sua cabeça oval e o seu corpo formado por uma curva e uma reta, que têm os seus caminhos interrompidos por uma pequena linha vertical, formando um quase triângulo. O vestido da mulher e delimitado ao lado e abaixo do bebê por duas curvas e uma reta. Suas pernas saem do vestido e parecem se encontrar, já saindo do quadro. Os elementos que rodeam as duas figuras também lembram formas geométricas. Ao lado da cabeça da mulher vemos um retângulo da janela, marcando a arquitetura. Ao lado, um pouco mais abaixo, aparece o início do que seria outra janela, que é cortada logo em seu início pela borda do quadro. Mais abaixo, do mesmo lado parece uma escada que, em sua parte inferior termina no vazio e, na superior se limita ao que seria uma parede. É notável a fluidez entre os planos. Eles parecem se intercalar, seguindo uma característica cubista. Pela inexistência de uma preocupação de perspectiva, o que parece sutilmente delimitar os planos são as retas associadas às cores. A propósito dessa questão, as cores de tom avermelhado presentes fortemente no fundo, do lado direito do quadro, trazem à obra uma sensação de quentura significante e emocionante. Elas contribuem para essa interpenetração de planos, fato presente na continuidade de tons entre a touca do menino, mais avermelhado, e o fundo. A cor da pele das figuras também se associa diretamente com esse fundo à direita e abaixo. À esquerda das figuras temos as plantas de um verde vistoso, lembrando as bananeiras do país tropical. O fundo dessa parte se torna mais claro, em um tom amarelo suave, que se intensifica em uma faixa quase mostarda bem no limite esquerdo do quadro. Esse tom mais suave ao fundo ressalta o verde das plantas, que escondem em parte uma outra janela ao fundo. A simplicidade e a combinação das cores trazem muito da expressividade do quadro.

Segall e seu quadro no contexto de sua produção

Segall, segundo Valadão, no seu último ano na Alemanha já exibia tendências de geometrização em seus quadros. A autora analisa um quadro do pintor de 1922, chamado “Rua – Duas Mulheres”. Ela observa como a paisagem do quadro é concebida de forma abstrata, formada por quadrados e retângulos de diversos tons de marrons. “A geometrização dos objetos no quadro é acentuada a ponto de impô-los ao olhar do observador como formas puras” (Valadão, 2000, p. 175). A autora vê uma influência da “Pintura Metafísica”, de De Chirico. Em “Mulata com Criança” a paisagem também é formada basicamente por formas geométricas, além das próprias figuras seguirem essa tendência. Ela cita ainda outros quadros do período com essa mesma inclinação à geometrização: “Figura à Mesa”, “Gestante II”, “Mulheres Erradias”, todos de 1923. Quando chega ao Brasil Segall mantém esse caráter em suas pinturas e esquece temporariamente a temática judaica. Esse fato foi de relevante importância, visto que se adequou à temática dominante dos modernistas brasileiros (também presente em “Menino com Lagartichas” e “Mulato I”, ambos de 1924). No entanto é interessante notar que Lasar não criou uma escola; mesmo em seu período inicial no Brasil não se percebe uma apropriação direta de outros pintores de suas obras. O que se viu nessa chegada, e que é mostrado no quadro “Mulata com Criança”, é uma mistura das formas angulosas com o caráter expressionista e universal de Segall. Creio que nesse contexto brasileiro o pintor tenha encontrado um espaço mais livre para sua manifestação artística. Saído do ambiente alemão, no qual as questões ideológicas relacionadas ao nacionalismo judeu e a ascensão do “neu-sachlich”, marcado pelo distanciamento e objetividade, Lasar parece tem encontrado aqui seu caminho particular que ele começou na Europa. É de grande importância também suas referências a Kandinsky e ao abstracionismo. No entanto ele chega a essas apropriações não mais por via do judaísmo, que era um fator influenciador antes de sua saída da Alemanha, via Jankel Adler (Valadão, 2000), mas por uma teorização sobre arte que apontava para uma essência da arte, vinda de uma necessidade interior que se expressa em formas. Em sua conferência “As expressões plásticas da Arte” (ou “Sobre Arte”) proferida na Vila Kyrial em 8 de Junho de 1924, demonstra uma forte influência de Kandinsky, com o livro “Do Espiritual na Arte”, fato já observado por Beccari (Beccari, 1979).  Nela, Segall defende que a arte não deve se apegar à técnica, pois ela é vazia em si. Exaltando as artes egípcias, bizantinas e da África negra, o pintor vê a arte como uma manifestação de um constante embate entre o instinto e o intelecto, o materialismo e a abstração.
No quadro “Mulata com Criança”, Segall parece experimentar esses suas concepções sobre a arte. A temática brasileira só vem a reafirmar sua inclinação para universalismo, visto que busca o sensível e o expressivo, que estão presentes em qualquer parte. O fato de o modernismo brasileiro ainda estar em construção na época da realização do quadro soma-se como um fator a mais para Segall mostrar o que ele busca como uma arte, não só moderna, mas uma arte universal.

Considerações Finais

A presença de Segall no Brasil no final de 1923 vem de encontro com a construção do modernismo brasileiro pós-Semana de 22. Os modernistas, que buscavam fugir da cópia dos modelos acadêmicos neoclássicos da Europa, que formava uma configuração no Brasil caracterizada como uma “comédia ideológica” por Roberto Schwarz, buscavam nos “ismos” a saída para tentar se desvencilhar dessa “ideologia” que havia se instaurado (Schwarz, 1978). Segall representava esperanças para esse grupo, que na voz de Mário de Andrade exaltou a presença dos artistas pelos trópicos. Segall, por sua vez, responde com uma obra como “Mulata com Criança”, no qual ele mostra tendências geométricas de representação e insere em sua temática motivos brasileiros. Entretanto sua construção artística segue ainda seu caráter particular de modernismo, e mais amplamente de arte. Apesar da incorporação dos temas brasileiros, Segall mantém-se fiel a sua tendência de universalismo, o que talvez, posteriormente, não agrada tanto Mário de Andrade. Sua conferência na Vila Kiryal demonstra essa sua tendência, o que indica que Segall não compartilha da experiência do cenário específico de ambigüidade vivido pelos modernistas brasileiros. 


Leandro Daniel Santos Carvalho
Bacharel em Ciências Sociais pela USP
Cursando Relaçoes Internacionais na UNIFESP
Atualmente trabalha na Comunidade Educativa CEDAC



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LE DERRIÈRE e a MORAL NORTE-AMERICANA

            

"Nenhuma educação pode impedir a menina de tomar consciência de seu corpo e de sonhar com seu destino; quando muito pode impor-lhe estritos recalques que pesarão mais tarde sobre toda a sua vida sexual" (Simone de Beauvoir)

Dia desses li um interessante artigo de Luiz Caversan publicado na Folha, intitulado A bunda de Simone de Beauvoir onde ele relata seu passeio à Carmel,  uma pequena cidade da Califórnia. Tudo ia muito bem, até que ele e sua namorada observaram vendedoras de uma loja cobrirem cuidadosamente o corpo desnudo de uma manequim de vitrine com papel de seda, pois a colocação das roupas da nova estação só se daria no dia seguinte. Fizeram um belo trabalho, moldando um vestido em cor-de-rosa para a mulher de gesso e tinta, com seios artificiais e sem genitália.

Parece não haver relação entre o título do artigo e a descrição da pacata cidadezinha dos EUA, com seus costumes provincianos e pudícos. Mas há uma relação estreita entre o cuidado com "as velhinhas ricas de Carmel de cenas tão chocantes" e uma atitude recente de uma rede social americana. Afinal, o americano médio continua extremamente moralista. Já os acima da média são capazes de loucuras geniais tanto no cinema, na literatura e outras artes que todo mundo conhece.

E a prova disso é o e pisódio da censura aplicada pelos administradores da rede social Facebook ao fotógrafo brasileiro Fernando Rabelo. Ele teve sua página retirada do ar por alguns dias à guisa de punição pelo fato de ter publicado uma foto da escritora  francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), nua e de costas em um toucador ou algo do gênero.

Essa foto, famosíssima, foi feita pelo fotógrafo (pasmem!) norte-americano Art Shay em 1952, durante uma estada da escritora na cidade de Chicago. Foi uma foto tirada sem seu consentimento sim, mas posteriormente ela autorizou a publicação. La Beauvoir era uma libertária acima de tudo, e aliás dona de um belo derrière digno de filme noir, daqueles bem antológicos.

O surto de defesa da moral e dos bons costumes que já esteve por aqui nos tempos da ditadura parece que renasceu fortemente nas mãos dos gestores do Face, e o que parecia um território livre para idéias e estéticas ultrapassou os parâmetros dom bom senso e do respeito ao próximo, caindo em um ridículo moralismo fora de moda e de sentido.

Afinal, Simone de Beauvoir, uma feminista pioneira, defensora radical de que a mulher deveria dispor plenamente de sua vida, de seu corpo e de suas idéias não seria contra a publicação de sua foto. É o que deixa claro na epígrafe que abre o texto desta edição, retirado do livro O Segundo Sexo.

                           A polêmica foto de Simone de Beauvoir, do fotógrafo Art Shay (1952).







Izabel Liviski é Fotógrafa e Doutoranda em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.







Foto: Inge Morath




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Inutilidades e afins

 

Hoje compartilho com vocês o V Capítulo do próximo livro de Thiago de Oliveira, filósofo, poeta, um amigo que encontrei na Casa da Palavra e que o destino tem traçado inúmeros encontros em saraus, festinhas e corujões madrugadas adentro. Ele faz parte de um pessoal que faz muito bem ao meu coração e que me faz entender que amizade pode combinar com muita diversão e com poesia.


Capítulo V do próximo livro: 
Tiago de Oliveira

Não sou uma pessoa prática, admito. Tenho este mau hábito de adiar afazeres. Repugno tudo o que é prático e estéril. Tenho mais afinidade com as inutilidades, sobretudo com as prazerosas... Pode-se mesmo deixar tudo para depois. Desculpe-me, não sou utilitarista. Não faço sexo apenas para procriar e tampouco somente pelo prazer, sou mesmo capaz de caminhar sem destino, conversar longamente pela madrugada silenciosa, e até mesmo me emociono com coisas que não servem para nada, danço dionisiacamente, corro e grito, e descarrego o fluxo do inconsciente para o mundo inteiro ouvir, leio um bom livro, risco suas páginas... Gosto mesmo é destas coisas inúteis. Durmo até o meio-dia, satisfaço meus vícios, vivo minhas orgias, mudo de repente de ideia e de humor, tenho crises cíclicas e tempestades emocionais... Abraço as pessoas, descubro algo fascinante e choro torrencialmente, lavo a alma, tomo chuva. Inutilidades...



Thiago de Oliveira é filósofo e professor de Ensino Médio.

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A CHUVA, A JANELA E EU


Finalmente o dia amanheceu nublado, preguiçosamente cinza. Coloquei as cachorras para fora, antes que a grama molhada as impedissem da voltinha matinal. Alimentei os gatos e fui a sacada ver do alto o que estava acontecendo na praça do outro lado da rua. Os marrecos gritavam uns com os outros, desesperadamente: “ Corram, corram, a chuva vai chegar logo, precisamos encontrar um abrigo seco e seguro”. E, em segundos, desapareceram pelos tuneis verdes de arbustos empoeirados, que estalavam ansiosos. Abaixo, no meu jardim, contemplei mais uma vez - como tenho feito há dias - o pássaro bicudo e alaranjado que está florescendo, a linda estrelícia que vagarosamente desperta em seu ninho de folhas verde-azuladas. Quando as primeiras gotas caíram de uma nuvem faceira que não conseguiu esperar pelas amigas, eu vi a estrelícia abrir o bico e saborear o puro líquido do regador celestial.

Acho que Ele nos presenteou com flores para sempre lembrarmos que temos alma, que existe muito mais importância nas Suas coisas do que nas que criamos. Entro no meu quarto, e porque não, como se adolescente fosse , volto a deitar-me, mas antes abro a janela e convido a paisagem a invadir meu dia como se fosse um quadro moldurado em madeira. Vejo a palmeira comprida por onde escorre a água da chuva, agora muito mais forte, e escuto a música torrencial que acusticamente me isola do mundo, transformando as paredes da casa em braços de mãe que me protegem.

Eu amo a chuva, quando os vizinhos param de gritar, os cachorros não latem, telefones não tocam e os jardineiros desligam os cortadores de grama. Pausa. Aproveito o momento de solidão para esquecer-me dos afazeres e das preocupações. Nada mais existe além de mim, a janela e a chuva. A água, que purifica e acalma, tem o poder de tirar todas as minhas dores. O sopro do vento conduz as folhas que marcham pela rua nessa manhã de sete de setembro.



Com as mãos, o vento lava os pés do mundo, em total humildade. O sol, hoje, está descansando no colo de outros povos, que o veneram depois de muitas águas. Aqui, o ar úmido entra em nosso corpo levando uma sensação de bem-estar aos pulmões tão cansados dessa seca recente. Água. Bendita água! Aos poucos,a chuva cessa e a paisagem refrescada continua a sorrir. Escuto, agora, não mais a água escorrendo pelos muros invisíveis do meu mundo, mas carros que passam vez ou outra, um vizinho caminhando com o netinho que gargalha ao pular as poças no meio-fio e pássaros a cantar. Um canto de celebração. Eles também são gratos por esse dia molhado, um oásis no meio da semana.




Simone Pedersen, formada em direito, escritora,  morou onze anos no exterior onde teve vivência multicultural e conheceu diferentes estilos linguísticos.Desde essa época já escrevia crônicas para os amigos sobre  a diversidade que vivenciava. Atualmente reside no interior de São Paulo  e, há dois anos,  participa ativamente de concursos literários,  tendo conquistado inúmeros prêmios  no Brasil e no exterior.Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. É colunista do Folha de Vinhedo. Seus livros  Infantis “Vila Felina”, “Sara e os óculos mágicos”, “Conde Van Pirado”, “Vila Encantada”, "Coleção Pá-pum" e Coleção Fuá" foram lançados na Bienal de SP 2010, os últimos dois livros também ensinam a desenhar, foram todos ilustrados pelo renomado artista plástico Paulo Branco. Além de  “Fragmentos e Estilhaços” com contos, crônicas e poemas selecionados em concursos.Todos disponíveis na Livraria Cultura. Blog:http://www.simonealvespedersen.blogspot.com/
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EDUARDO TORNAGHI LANÇA EM CAMPINAS "MATÉRIA DE RASCUNHO"

           

EDUARDO TORNAGHI LANÇA EM CAMPINAS
"MATÉRIA DE RASCUNHO"

Tive a grata satisfação de participar, no dia 12 de março na cidade de Campinas, deste inesquecível lançamento promovido pelo Portal do Poeta Brasileiro em conjunto com o Clube da Música.

Eduardo Tornaghi, além de excelente ator e declamador, revelou-se também escritor de marca maior e uma pessoa encantadora, posando até de garoto-propaganda para o "SÓ CONCURSADOS".  Que figura!


O lançamento, enriquecido pelas delirantes e marcantes declamações do próprio Eduardo, contou também com um sarau litero-musical, com a participação do público em geral e de muitos escritores da região.

Parabenizo a Aline Romariz e a todo o seu pessoal pelo grande feito.


A seguir, alguns poemas de "MATÉRIA DE RASCUNHO".


O RASCUNHO

O rascunho
    contém um poema
                             que o poema
                                               impresso
                                                            não tem

O testemunho
                          na lenta rasura
                          na pressão do punho
                          na linha da letra

O cunho

Aquilo:
           o que a palavra
                                      nem


AUTO-RETRATO

Na calada da noite eu me falo
hieróglifos


CONDIÇÃO HUMANA

Para organizar o pensamento
invento o tempo

Para guiar meus passos
crio o espaço

Por teu encantamento
me desfaço


BOAS

Boa poesia é música
mas não só

Boa música é matemática
mas não só

Boa matemática é lógica
mas não só

Boa malandragem é poesia
o resto é pó




Abraços literários e até +.

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Palestra, congresso e literatura

           


No próximo sábado, dia 31 de março, o colaborador da ContemporARTES Douglas Negrisolli ministra a palestra “O artista, mercado e marketing pessoal”, em São Paulo. Douglas é Historiador e Mestre em Educação, Artes e História da Cultura, e atua como curador independente de Artes Visuais. Na palestra, que faz parte das comemorações do aniversário de 10 anos do Empório Fotográfico, serão abordadas questões relacionadas às maneiras de lidar com os desafios da produção artística, textual e acadêmica. 
 O encontro está marcado para as 13h30, no Empório Fotográfico, que fica na Rua José Bento, 384, na capital paulista. A entrada é gratuita, mas é preciso confirmar a presença pelo e-mail contato@sheilaoliveira.com.br . Outras informações pelo telefone (11) 3207-9921. 


O escritor Wilson Gorj lança nesta sexta-feira seu terceiro livro, “Histórias para Ninar Dragões”. A obra, que sai pelo selo 3x4 , da editora Multifoco, é composta por 110 minicontos de temas e estilos variados, em textos que misturam humor, lirismo e  críticas sociais. 
O lançamento será no dia 3 de março, a partir das 19h, no Hall do Auditório  Pe. Orlando Gambi, que fica no prédio da Rede Aparecida, na Av. Getúlio Vargas, n° 185, na cidade de Aparecida (SP). Informações sobre o lançamento  pelo telefone (12) 8858-0750. 
O livro pode ser adquirido pelo e-mail wgorj@editoramultifoco.com.br, pelo valor de R$ 30,00 mais o frete de envio. Clique aqui para ler o primeiro capítulo do lançamento.  


O 13° Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia será realizado de 03 a 06 de setembro, no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). Mesas-redondas, Simpósios Temáticos, Mini-cursos e lançamentos de livros, entre outras atividades, integram a programação do evento, que é promovido pela SBHE - Sociedade Brasileira de História da Ciência.  Os interessados em enviar trabalhos para apresentação nos Simpósios Temáticos, na Sessão de Comunicação Livre ou nos Painéis de Iniciação Científica têm até o dia 31 de março para se inscrever. O procedimento para realizar a inscrição, valores e especificações técnicas você encontra aqui.


Os escritores e aspirantes a escritores que acompanham a ContemporARTES sempre encontram dicas de concursos literários e seleções para revistas por aqui. A dica de hoje é da Revista Encontro Literário, que está selecionando contos para a próxima edição. Podem ser enviados contos de tema livre, para a categoria juvenil (autores de 12 a 17 anos) e adulta (a partir dos 18 anos). Os autores escolhidos, além de terem seus textos publicados, vão receber um Certificado de Menção Honrosa e dois livros como premiação. Acesse o regulamento, prepare seu conto e não deixei de participar! 




 
Mônica Bento é jornalista, formada pela Universidade Federal de Viçosa (MG). Em seu trabalho de conclusão de curso estudou a função social das salas de cinema e desenvolveu a reportagem multimídia CineMemória. Pertence a equipe de Comunicação da Contemporartes-Revista de Difusão Cultural. 






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