quarta-feira, 11 de março de 2015

GERDA TARO, UMA FOTÓGRAFA ENTRE A GUERRA E O AMOR


“Os retratos sempre foram vistos como algo feminino, enganador e irracional quando comparados às palavras, que são masculinas, verdadeiras e racionais”. 

     Durante muito tempo a fotografia, foi uma atividade mais resistente que outras consideradas como "femininas”, isto quer dizer que a fotografia sempre foi um campo de atividade considerada como masculina. Entre outros fatores isso se deve ao fato de terem existido pouquíssimas fotógrafas no início do século XX, que na sua maioria dedicavam-se a fotografias feitas em seus estúdios, ou em locais fechados como a casa dos retratados ou pátios e salas de aulas de escolas em que atuavam, raramente optando por desenvolver o trabalho em espaços abertos.

     As próprias imagens foram vítimas de uma interpretação estereotipada e de vários processos de iconoclasmo ao longo dos séculos, muitas vezes persistindo até os dias de hoje. Scherer (1996) enfatiza a existência de uma diferença de valor entre o visual e o escrito, enraizada no entendimento do que fossem as diferenças básicas de cognição entre os sexos. Pode-se tomar como exemplos, os artigos sobre ciências sociais publicados no século XIX e que incluíam fotografias foram escritos predominantemente por mulheres e grande parte das análises críticas de retratos históricos publicadas foram também feitas por mulheres.

     Rosenblum (2000) afirma que as mulheres deram uma vital contribuição à fotografia, tanto do ponto de vista profissional como da arte, desde o seu princípio. Em todos os aspectos desse medium - retratos, documentação social e científica, publicidade, fotojornalismo, e como expressão pessoal – as mulheres têm sido criadoras realmente ativas. Suas conquistas, porém, ainda têm sido muitas vezes negligenciadas e ocasionalmente, até mesmo creditadas a seus companheiros ou colegas do sexo masculino.


Fotógrafa pioneira - desconhecida

     Emblemático é o caso de Gerda Taro (1910-1937) considerada também como uma pioneira da reportagem fotográfica de guerra que é pouco lembrada, em detrimento de Robert Capa. Como repórter na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), ela conseguiu algumas das imagens mais dramáticas e mais frequentemente reproduzidas desse conflito. Taro foi a primeira fotógrafa a fazer fotos em meio aos combates. Essa proximidade do fato estabeleceu parâmetros para o jornalismo fotográfico de guerra e lhe custou a vida. Como foi a primeira morte durante uma reportagem de guerra o fato despertou atenção internacional. Como mulher e como fotógrafa, Taro desbravou novos territórios.


Retrato de Gerda Taro, 1936.

     No breve espaço de tempo em que viveu, ela desenvolveu a moderna fotografia de guerra, como a conhecemos hoje, juntamente com Robert Capa e David Seymour. Os três procuravam estar perto da ação, munidos das novas câmeras de 35mm, facilmente transportáveis. E tomaram partido, na condição de emigrantes judeus, contra o ditador espanhol Francisco Franco e seu aliado Hitler. Essa proximidade, o risco e o engajamento permitiram ao público de milhões da imprensa ilustrada participar da guerra e da revolução. Do ponto de vista midiático e armamentista, a Guerra Civil Espanhola foi um teste prático para a Segunda Guerra Mundial.


Gerda Taro e Robert Capa

     Durante muito tempo após sua morte, Taro foi considerada apenas a companheira de Capa, não sua parceira profissional. Isso só mudou em 1994, através do trabalho de pesquisa de Irme Schaber, que escreveu sua biografia e de testemunhas da época. Quando este livro foi lançado, a cena fotográfica internacional reagiu se posicionando ao lado de Robert Capa. Até então as fotos dele haviam sido publicadas com destaque, na época: na revista norte-americana Life, em jornais ingleses e franceses, revistas holandesas e suíças.


Milicianos durante a Guerra Civil Espanhola. Foto: Gerda Taro

     Quando foi encontrada a famosa “Mala Mexicana” em 2007, novos fatos vieram corroborar com as declarações de Schaber: contendo milhares de negativos de Capa, Taro e Seymour, até então dados por perdidos, descobriu-se que inúmeras fotos originalmente atribuídas a Capa eram na verdade, de autoria de Gerda Taro.  



O Pequeno Soldado. Foto: Gerda Taro


Referências:
ROSENBLUM, Naomi – A history of women photographers, Abbeville Press, London, 2000.



Foto: Gerda Taro




Izabel Liviski é fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela UFPR. Escreve a coluna Incontros desde 2010 e é também co-editora da Revista Contemporartes.

4 comentários:

Rogerio disse...

Bravo Bel! Adorei! Alias, vc ja leu "Esperando a Robert Capa" da escritora espanhola Susana Fortes? Interessante...Bjo!

11 de março de 2015 às 07:26
Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Essa disputa se insere na questão de gênero, que nos ocupa até hoje.
Sendo que a mulher ainda recebe menos (em dinheiro e crédito) do que os homens, essa luta ainda não está concluída. Parabéns pelo texto.

11 de março de 2015 às 10:40
Anônimo disse...

Muito bom Bel. Parabéns! Bjs. Geny

11 de março de 2015 às 12:09
Anônimo disse...

Obrigada, Izabel!
Que bela matéria! De facto, não existe só o trabalho do Capa!
Parabéns pelo texto e divulgação do trabalho da Taro!

Abraço,
Lígia
Porto-Portugal.

12 de março de 2015 às 10:53

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