Algumas considerações sobre a poética de Fernando Pessoa, através de "Isto"



Fernando Pessoa é conhecido como o poeta do pensamento. A emoção para ele nada mais é do que algo pensado, destituída de si própria. O próprio Pessoa declara: “O que em mim sente ‘stá pensando”. Isso porque de acordo com Moisés (1998) o grau da poesia de Pessoa é aquele em que o poeta, por causa da sua alta intelectualidade e do seu valor imaginativo, entra em processo de despersonalização, processo em que ele passa a “viver os estados da alma que não tem diretamente” (MOISES, 1998, p.21).

“Pessoa não consegue render-se à emoção pura, destituída de pensamento (...) o pensamento da emoção, como se experimentá-la consistisse em detectar as sombras de um corpo que desvelasse a medida em que vencêssemos a obscuridade que projeta e o que encobre” (MOISES, 1998, p.19).

Para ele, as sensações devem ser valorizadas e sentidas, mesmo que seja um “falso sentimento”, um sentimento ou sensação que ele procura imaginar.

“Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação”

Este fragmento do poema “Isto”, nos parece uma resposta a uma crítica sofrida pelo autor, crítica esta em que dizem que ele finge e mente tudo que escreve. Ao dizer que “Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação”, Pessoa postula que, ao escrever, ele não está mentindo, que seu sentimento provém da imaginação. Ele somente pensa em determinadas situações que não viveu ou que não pode viver em detrimento de outras e busca através do pensamento senti-las. O pensamento já é o bastante para que viver todas as situações que desejar.
Nos cinco versos posteriores o autor diz:

“Tudo  que sonho ou passo,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda”

Essa coisa linda a que Pessoa se refere nada mais é que a consequência de sua imaginação, a transfiguração da arte que ele opera através da imaginação. Ele, ao comparar o terraço com o que sonha ou passa, simboliza a realidade bela e exuberante que se esconde por trás das coisas que nunca imaginamos. Não se imagina que atrás de uma coisa insignificante possa haver realidades de um mundo maior. O poeta parece nos oferecer a ideia de que em toda sua imaginação está contida a essência da poesia do pensamento, a busca através do pensamento de algo maior, que pode estar contido em algum lugar inesperado. A impressão que temos é a de que o poeta inventa tudo: a emoção, o pensamento, os objetos que relata; mas no fundo, tudo o que ele relata nada mais é do que um fingir, até para si próprio; fingir emoções e sensações para que vivê-las em seus pensamentos.

“ Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
livre do meu enleio,
sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Ao dizer que escreve “em meio do que está ao pé”, ele parece nos dizer que escreve através de coisas, de sentimentos que não se pode alcançar facilmente, essas coisas que não estão ao pé são os próprios pensamentos, a própria poesia do autor que é desprovida de pensamentos e de sensações pelas quais ele já tenha passado, ele se concentra num mundo totalmente intelectualizado, quase impossível  de ser alcançado.

 Ao dizer “Sentir? Sinta quem lê!”, podemos notar que o autor está a dar a resposta, de forma irônica, em relação ao primeiro parágrafo em que diz: “Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo”. Para ele, não importa o sentir, que sinta então o leitor apreciador da sua poesia, apreciador do sentimento expresso nela, é o único que poderá sentir o texto, mesmo que a finalidade deste não seja a de ser sentido.

“O próprio poeta diz não lhe interessar mais o sentir.” Quando ele começa a pensar, o sentimento se esvai e o que resta a ele é somente se dividir, multiplicar as possibilidades do pensar a emoção. Com essa destituição do sentir o poeta perdeu não só a emoção diante das coisas, mas a própria identidade, talvez, por causa disso, nunca descobriremos o que pensava ou se existia um verdadeiro Fernando Pessoa (MOISES, 1998, p.23- 24).

 Pessoa, em sua poesia, rejeita o sentimentalismo, esse fato fez com que houvesse uma revolução em toda poesia portuguesa, principalmente pelo fato de o poeta entrar em plena despersonalização, não só a sentir, mas também vivendo os estados da alma que não possui diretamente. Ele faculta a seu texto expor diretamente o que desejar, suas ideias provêm da imaginação, que faz com que seja extremamente criativo (MOISES, 1998­­).

Referências:
MOISÉS, Massaud. .A Literatura Portuguesa. 19 Ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p.235 – 254.
 Isto. In: PESSOA, Fernando. Obra poética: volume único. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 165.

Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.
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“A Árvore da Vida”: Das origens aos dias de hoje; o perdão, o amor e a dor caminham juntos para todo o sempre.

Cartaz do filme


“Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação”
Charlie Chaplin.

Brad Pitt ( ótima interpretação)


Imagens e sensações. Cores e formas exuberantes pulsam na tela. Eis que a grandeza do universo se sobrepõe ao homem. O filme Árvore da Vida (Tree of Life, 2011) tem um apelo imagético denso. O diretor, Terrence Malick, recorre à imagens do Big Bang para divagar sobre a beleza da vida  e sobre a implacável morte. Estas imagens cósmicas (a là Discovery Chanel ) são fortes o suficiente para afastar o espectador de pensamentos lógicos ou racionais, abrindo assim caminho para experimentar emoções profundas. Quem embarcar e tiver vontade de seguir esta idéia, irá se deslumbrar. A era dos dinossauros também tem lugar no filme, que transcorre essencialmente entre dois tempos: anos de 1950 e a contemporaneidade. As cenas do mundo atual, representada por Jack adulto (Sean Penn), é de uma selva de pedras e concreto: vidros,  ferros, elevadores panorâmicos, horizontes de prédios, são sempre mostradas em ângulos baixos, deixando o céu como contra plano.  Há um paralelo interessante entre a Terra, suas estruturas cósmicas e físicas e a origem da vida dentro do útero, a criação de um ser que nasce e vive momentos de felicidade junto à família. Ele testa as variações de grandeza do sentir, da experiência, pendulando entre a percepção micro, familiar, para uma panorâmica, representada pelo universo. 

A família de Jack

Um mar de imagens referenciais para inserir o público numa espécie de viagem macro em direção à mãe natureza. Magia da natureza que alterna fogo e geleira; a vultuosidade dos movimentos largos do espaço se contrapõe com a magia miúda da concepção humana no meio líquido, que mais tarde se transformará em corpo e vida. Com isso, o espectador se entrega ao sensorial, entrando na história de Jack e de sua família. Vida e morte, a Graça e a Natureza. 

Jack adulto (Sean Penn)

O som do filme é quase sempre em a voz-off sussurrante, fazendo par com uma excelente trilha sonora assinada por Alexandre Desplat que inclui Fugas de Bach, Schumann, Brahms e outros clássicos eruditos.
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o filme estréia no Brasil com este estimado prêmio ao seu favor e ainda Brad Pitt, Sean Penn e Jéssica Chastain no elenco. Somado a isso, há o amado e odiado diretor, Terrence Malick, que arremata  o desejo de ir ao cinema ver “A Árvore da vida”. O diretor, famoso por fazer filmes profundos, tem no currículo poucas e marcantes produções: “Terra de Ninguém” (1973), “Cinzas do Paraíso” (1978), “Além da Linha Vermelha” (1998) e “Um Mundo Novo” ( 2005). No final das contas, o público ficou dividido; alguns se entregam as divagações de Terrence e outros, decepcionados,  saem no meio do filme. 

"Pai. Mãe. Vocês estão sempre lutando dentro de mim. Sempre estarão."
( Jack)
A luta entre a graça e a Natureza

Esse desconforto de alguns pode provir da história não linear, com tempos e espaços múltiplos que muitas vezes parecem não se alinharem por falta de amarras. Mas essa é uma das grandes características do filme, a forma fragmentária para contar a história de Jack e sua família. Foi necessário editar 365 horas de imagens para 2 horas e pouco, trabalho destinado a uma grande equipe de co-diretores como: Hank Corwin, Jay Rabinowitz, Billy Weber, Mark Yoshikawa e o brasileiro Daniel Rezende. Filme grandioso e ousado, ligado intimamente às características de Terrence, criador tanto de emoções como de decepções. O trailer não condiz inteiramente com o filme e este pode ser um dos fatores de estranhamento, pois o filme não tem a mesma “levada” do trailer. 


Frase do início do filme: “Existem duas maneiras de viver: A maneira da Natureza e a maneira da graça”. O caminho da graça é da entrega ao outro e da natureza é o egoísmo. Estas duas máximas orientam todo o filme que percorre estes limites opositores e contrários que estão encarnados nos personagens.  É preciso uma boa dose de paciência e predisposição para encarar as 2 horas e pouco de filme. Quem conseguir assisti-lo e entender o propósito, que pode ser muitos, vai ver que esta frase, citada sussurrada, tem muito a ver com o perdão, o amor, a vida e a morte. Explicar o inexplicável é impossível mas é possível sentir o inexplicável, é por este viés que o filme ganha contornos mais interessantes.
Gostei do filme e como sempre Brad Pitt está impecável no papel do severo pai de família da década de 1950. Uma pena que Sean Penn apareça tão pouco e que em alguns momentos o filme cai de ritmo e faz com que os menos avisados caiam fora do cinema. O que fica foi uma frase dita pelo pai de Jack: “Um dia você vai cair e chorar. E vai entender todas as coisas”.
Bom filme!!! Vale muito a pena conferir!



Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

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Como o casamento entre o blues e o country fez nascer o rock n’ roll



Os Estados Unidos na metade do século XX refletia uma situação peculiar. Enquanto a Europa estava se reorganizando após dois conflitos mundiais, a América do Norte tinha uma produção industrial de proporções vertiginosa, isso se refletia na sociedade americana que elegia o “american way life” como slogan. Uma realidade propagada vitoriosa baseada numa política ufanista elaborada pela doutrina de segurança nacional. Nesse universo de crescimento da economia americana, o negro americano seguia sua rotina de exclusão, miséria e preconceito racial. Ele continuava vivendo em guetos e ocupava a principal parcela da massa que trabalhava em indústrias do país, principalmente nos estados sulistas que contaram com mão-de-obra escrava no passado. Se o preconceito em nada diminuíra dos tempos em que seus antecedentes trabalhavam em lavouras de algodão, sua cultura mantinha-se forte e expandia-se através da música, seja ela o gospel, ballad ou o rythm ‘n’ blues.

O Blues traduzia o dia-a-dia sofrido dos negros americanos

Com o surgimento de guetos próximos a indústrias nas regiões norte e oeste dos Estados Unidos todo um comércio consolidou-se em volta dessas comunidades. A partir daí, uma segmentação de mercados da música popular americana começou com o surgimento de casas especializadas para divulgação e consumo de canções negras. Na época, os gêneros blues e country ainda eram vistos como estilos de música para negros, periféricos ou caipiras, respectivamente. Tal visão se dava pelas letras das canções estarem associadas aos valores depreciados pela sociedade americana como jogo, bebida e sexo. As músicas que começaram a ganhar espaço no mercado branco e elitizad ao ter uma divulgação maior foram o gospel e o ballad. A primeira era praticada pelos negros evangélicos, dentro de suas igrejas em uma forma própria que unia o tom melancólico e suplicante de origem africana com a harmonia tipicamente branca. Já a segunda tinha características semelhantes da primeira, porém a conquista dos ouvintes brancos se dava porque seu ritmo era mais atenuado e a melodia vocal, continha diálogos cantados em solo.
A música country era consumida pelo público branco 

A
estagnação do mercado fonográfico comercial no ano de 1953 não iria frear o impulso das gravadoras independentes que apostaram no rythm ‘n’ blues para alavancar sucessos. A invasão negra ocorreu porque diversos artistas brancos passaram a interpretar canções de músicos negros, a maioria cantada com alterações nas letras para que o público branco pudesse aceita-las. Um dos precursores dessa mistura de estilos é o cantor Bill Halley. O sucesso do cantor com o público branco, jovem e, que tinha maior poder aquisitivo, permitiu que fossem prensados discos de rock em massa para atender a demanda dessa classe social, assim como este público passou a ser o impulsionador de programas radiofônicos como o inovador “Rock and roll party”, em 1952, apresentado pelo disc-jockey e publicitário Alan Feed.
Chuck Berry: um dos pais do novo gênero musical

Nessa época a expansão das rádios independentes seria tão grande que na lista dos mais vendidos, 20% das vendas pertenciam ao estilo que aos poucos ganhava forma na mescla de rythm ‘n’ blues, country e blues. O rock ‘n’ roll, nome batizado por Alan Feed, passou a transformar gravadoras pequenas como a Sun Records, Atlantic e Jubilee em verdadeiras minas de ouro. Assim, no decorrer da década, as gravadoras comerciais e de maior porte passam a contratar os astros nascentes das gravadoras independentes e com isso o mercado fonográfico adotou de vez o estilo rock ‘n’ roll e com ele as primeiras estrelas do novo gênero musical: Elvis Presley, Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Gene Vincent, Johnny Cash, Roy Orbinson, Fats Domino e o pioneiro Bill Halley.

Marcelo Pimenta e Silva é graduado em jornalismo pela Universidade da Região da Campanha, Bagé/RS. Como pesquisador atuou por três anos no Núcleo de Pesquisa da História da Educação, pela Urcamp, tendo produzido diversos trabalhos multidisciplinares. Tem como temas de pesquisa a imprensa alternativa brasileira; a contracultura e suas implicações na sociedade brasileira, além de temas como o ativismo na cibercultura. Conta com experiência em colunas sobre cultura, em jornais, em sites e em revistas. Atualmente, trabalha com jornalismo, assessoria de imprensa e pesquisa free-lance, além de cursar pós-graduação em comunicação mercadológica na Fatec Senac de Pelotas/RS.  

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Neblina, Barulho.org e MAOU: intervenção no FIP 2011






Depois de um mês na tentativa de contato com a prefeitura para oficializar uma intervenção com músicas, sons e projeções do coletivo Barulho.org e a exposição iconográfica do grupo Neblina sobre trilhos conseguimos fazer parte da 11ª edição do festival de inverno de Paranapiacaba, Santo André - SP.

Agradeço o Julio Franz (SABINA), a Marina, o prof. Odair de Sá Garcia (CUFSA), a profa. Ana Maria Dietrich, o prof. Cláudio Penteado (UFABC), o secretário Duda por ter nos dado confiança para fazer acontecer este evento! Nesta edição tivemos o apoio também dos comerciantes: Beto (Confraria do Cambuci), Gercino (Ciclotur) e seus familiares/funcionários, nos concederam um ponto de energia, além das alimentações e bebidas que eu recomendo a todos que visitarem a vila.

Como a "Casa Amarela" - antigo Senai - estava ocupado por estudantes/professores do curso de Geografia no CUFSA com a exposição de Alexander von Humboldt (pagina no facebook com as fotos do grupo proponente) o secretário Duda nos concedeu a autorização também para o uso durante o festival de uma casa vazia, assim foi possível guardar os equipamentos e, se preciso, descansar um pouco antes da volta.

Eu, o Paulo Akio e alguns amigos, espalhamos os banners do projeto pela Rua Direita. Muitas pessoas paravam para perguntar mais sobre o documentário, foram muito significativos os questionamentos e manifestações dos transeuntes.

Creio que esta seja primeira de muitas outras produções com o pessoal do Barulho.org, em especial, a Georgia Martins (produtora executiva) que lutou comigo incessantemente por todas as instâncias possíveis dentro da prefeitura e na vila até ser aprovado tal intervenção.

Valeu geral para a galera que esteve presente no festival!

Aproveito esta coluna para convidar os leitores para assistir minha comunicação no IX Encontro Regional Sudeste de História Oral "Diversidade e Diálogo. Abordarei os aprendizados que tive nestes anos trabalhando na Vila ferroviária e com o projeto "Transformação sensível, neblina sobre trilhos", a apresentação foi intitulada: A transformação, a memória e o trauma dos ferroviário e ocorrerá no dia 17/08 (quarta-feira).


Obs.: As inscrições para ouvintes e participantes de minicursos será até o dia 12/08/2011.

...Até lá!
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Krtek e o universo ao redor


Duas formas orgânicas. Um contorno preto e um preenchimento acinzentado. Acima, um ponto vermelho, um nariz. Mãos e pés. Patas. O que temos aqui? Uma topeira em português, “a mole” em inglês e, em tcheco, “krtek” - este é o nome do personagem criado pelo desenhista Zdeněk Miler. Diferente de uma topeira, porém, os olhos deste Krtek animado são grandes, expressivos e inquietos.

Ao se caminhar pelo centro histórico de Praga, capital da atual República Tcheca, é difícil não perceber a proliferação de souvenirs de Krtek: fantoches, marionetes, ímãs de geladeira e até mesmo ioiôs são vistos à venda. Trata-se de um personagem que pode ser tido como símbolo da cultura tcheca; temos aqui mais um marco dentro de certa tradição do desenho animado encontrada neste país.

O primeiro episódio de Krtek, intitulado “Como Krtek conseguiu suas calças”, data de 1956-57 e tem aproximadamente doze minutos. Diferente dos outros episódios, ouvimos falas em tcheco entre a topeira e outros animais moradores da floresta que habita. A apreciação que faz de uma calça pendurada em um varal faz com que ele tenha vontade de possui-la e vesti-la. Tal dilema, tal vontade de experimentação do desconhecido, é comum a todos os episódios de Krtek. Nossa topeira quer atribuir significado aos mais diversos objetos da cultura de massa.

Krtek é como uma criança: pequenino, balbucia palavras e tem olhos curiosos. Não se trata, porém, de ingenuidade no lidar, mas sim de novidade. Isso é reforçado pelos títulos dos episódios animados: “Krtek e o rádio”, “Krtek e a televisão”, “Krtek e o pirulito” e “Krtek e o foguete”, por exemplo. O personagem desconhece as funções deles e no decorrer, geralmente, dos cinco minutos de seus episódios fará um esforço por compreendê-los. 

O rádio, inicialmente benigno, espanta todos os animais da floresta devido a seu barulho e acaba por ser destruído. Triste, Krtek faz seu enterro. A televisão deve ser destruída, já que nela nosso personagem assiste, sem querer, a uma notícia que incentiva a destruição da natureza. O pirulito faz com que ele o associe a uma placa de trânsito e tente estabelecer regras para o tráfego de animais na floresta. O foguete, por sua vez, faz com que percorra grandes distâncias, caia numa ilha e interaja com diversas espécies de animais aquáticos. 

Interação com o novo e alteridade. Este parece ser um outro tópico de Krtek. O desenho versa sobre como lidar com as diferenças entre as espécies e vontades dos animais. Mais de uma vez a topeira se pega fascinada por um bem material e é repelida pelos outros animais. Em um dos episódios mais ácidos, “Krtek e o fim-de-semana”, este viaja de carro para uma paisagem próxima à floresta. Lá, dotado dos mais diversos bens de consumo de férias, tal como um guarda-sol, um colchão de ar e uma televisão portátil, se depara com seus amigos que, simplesmente foram ao mesmo lugar, andando e sem portar nada. Enquanto Krtek leva comida pronta e cozinha, o coelho e o rato colhem das árvores. Estes dois nadam livremente e a topeira leva seu equipamento de mergulho. No dia seguinte, ao sair novamente, Krtek larga todos os objetos dentro de sua casa e segue com eles para o mesmo lugar. 

E quando as coisas não dão certo? E quando as desavenças não são vencidas ou há dificuldade em interpretar o que o circunda? Ele chora. Seus olhos curiosos se cerram, lágrimas caem por seu rosto e a postura do melancólico, com sua pequena mão que sustenta o peso de sua cabeça, surge. Aonde, geralmente, estas cenas ocorrem? Não à toa, acima da sua casa, sentado em cima do monte de terra que é espalhada ao se escavar e sair do mundo subterrâneo. Krtek fica em seu porto seguro, seu espaço privado, para lamentar os percalços da vida. 

Esse talvez seja um diferencial de Krtek para outros desenhos infantis: uma excessiva melancolia. Desenhado e colorido artesanalmente, com traços e paleta que ecoam a pintura de Henri Rousseau, o desenho marcou diversas gerações não apenas no chamado Leste Europeu, mas na Europa como um todo devido à sua exportação e disseminação pela televisão. Aqui do Brasil podemos lamentar não termos sofrido junto com Krtek durante nossas infâncias, mas, atualmente, já “adultos”, conseguimos ter acesso a todos os seus episódios pela internet, especialmente via Youtube. 

Hora de sermos nostálgicos e retornarmos às nossas infâncias. Hora de lembrar como aqueles objetos que Krtek analisa um dia também causaram estranhamento a nós. Hora de fazermos adaptações e constatarmos que, dia após dia, novos objetos e situações nos dão a mesma dose de incompreensão. Hora de revermos até que ponto a melancolia e dilemas de Krtek são comuns a toda a existência humana, para além da faixa etária.














Raphael Fonseca é crítico e historiador da arte. Bacharel em História da Arte pela UERJ, com mestrado na mesma área pela UNICAMP. Professor de Artes Visuais no Colégio Pedro II (RJ). Curador de mostras e festivais de cinema como “Commedia all’italiana” (realizada na Caixa Cultural de Brasília e São Paulo, 2011), o Festival Brasileiro de Cinema Universitário, a Mostra do Filme Livre e o Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora.  Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP). Realizador de curtas-metragens como "Boiúna" (2004), "A respiração" (2006) e "Preguiça" (2009).
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INDRISO E OUTROS VERSOS DIVERSOS

Criado pelo poeta Isidro Iturat, o indriso é um poema composto de dois tercetos e duas estrofes de verso único (3-3-1-1), que permite um uso livre da rima e o número de sílabas nos seus versos. (Fonte: http://www.indrisos.com)

Minha primeira incursão nessa modalidade poética traz bons frutos com o poema CABIDELA HUMANA, no 2º Concurso de Poesia “Poetizar o mundo”.



Outros poemas


ESPECTRO URBANO
 
Aspecto?
De espectro.
Seres
Solarizados,
Inanimados,
Horrorizados.
Uma tela,
Uma cela,
Existência que não sela.
Cancela.
Procela.
Sombra
Que assombra
Os ombros,
Levitando
Sobre os próprios pés.
Escombros
Cinzas ao invés
Do matizado fervor
Do olhar furta-cor!
 
Aspecto?
Espectro da urbe,
Da vida que não insiste,
Não ressurge.


CÉU VERDE
 
Que belo dossel!
Sonhar é não mais tirar
Os olhos do céu!


 
Abraços literários e até +.


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Dicas do Drops - Literatura, Fotografia e História





No dia 25 de julho comemorou-se o Dia Nacional do Escritor. A coluna Drops de hoje aproveita a data e traz dicas de concursos, cursos e eventos ligados à nobre arte da escrita.

Estão abertas as inscrições para a 3ª edição do Prêmio LiteraCidade.
Serão recebidas obras nos gêneros poema, conto e crônicas, nas categorias Juvenil (autores de 12 a 18 anos), Acadêmico (mais de 18 anos) e Adultos.
Os vencedores terão seus textos publicados no livro “Prêmio LiteraCidade 3ª edição”.
As inscrições se encerram no dia 20 de setembro.
O regulamento completo e como se inscrever você encontra aqui.

Na terça-feira (09), em São Paulo, o projeto Sempre um Papo recebeu o escritor Sérgio Bandeira de Mello. Ele falou sobre seu novo livro, o romance policial “As Flores do Tenentismo”.
O evento é gratuito.
Horário: 20h
Local: SESC Vila Mariana (Rua Pelotas, 141, vila Mariana) – SP 

No Rio de Janeiro, a dica é o curso “Oficina Permanente de Criação Literária”. O prof. Esdras do Nascimento, Mestre em Comunicação e Doutor em Letras pela UFRJ, ministra o curso sobre técnicas narrativas e sua utilização em contos e romances
Serão duas turmas, uma às terças-feiras (com início no dia 09/08) e outras às quartas (início 10/08). O valor é de R$ 360,00.
Mais informações pelo telefone (21) 3237 – 3947 ou no site da Estação das Letras.

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Da escrita para a fotografia:
   Foi aberta no último dia 2, em Curitiba (PR) a exposição “Fotografia de Natureza”. A mostra é resultado de um projeto do Departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação, da Universidade Federal do Paraná, com financiamento do MEC/Capes – Projeto Novos Talentos.

A exposição reúne fotografias feitas por professores e alunos da rede pública de cidades paranaenses. Durante o projeto, os professores participaram de um curso ministrado pela fotógrafa e colaboradora da Contemporartes, Izabel Liviski, e pelo jornalista e fotógrafo Carlos Eduardo Silvério.
A exposição “Fotografia de Natureza” acontece até o dia 27 de agosto.
Local: Sala de Arte & Design – Reitoria da UFPR (Rua General Carneiro, 460,  Edifício Dom Pedro I, térreo) 


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De 16 a 18 de agosto, a Universidade de São Paulo (USP) recebe o IX Encontro Regional de História Oral. A coordenadora do ContemporARTES e editora-chefe da Contemporâneos – Revista de Artes e Humanidades, Ana Maria Dietrich, juntamente com o prof. Dr. Alfredo Salun, coordena o Grupo de Trabalho 11, com o tema “Memória, Trauma e Guerra”.
As inscrições para ouvintes e para participar dos minicursos ficam abertas até o dia 12.
A programação completa e os procedimentos para inscrição você encontra aqui.





 





Mônica Bento é jornalista, formada pela Universidade Federal de Viçosa (MG). Em seu trabalho de conclusão de curso estudou a função social das salas de cinema e desenvolveu a reportagem multimídia CineMemóriaPertence a equipe de Comunicação da Contemporartes-Revista de Difusão Cultural
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